Ano de publicação: 2022
Teses e dissertações em Português apresentado à Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo. Instituto de Saúde para obtenção do título de Doutor. Orientador: Rosa, Tereza Etsuko da Costa
Introdução:
O tema da Atenção à Crise na Saúde Mental, entendendo aqui a crise, a
partir da teoria relacional, como momentos de rupturas dos sujeitos, agudização de
sintomas e comportamentos que provocam ressonâncias sociais, tem-se apresentado
com conceitos complexos de serem operados no cotidiano dos serviços da Rede de
Atenção Psicossocial (RAPS) e como desafio importante na consolidação da Reforma
Psiquiátrica Brasileira (RPB). Objetivo:
Promover uma reflexão teórica e técnica
acerca da Atenção à Crise em Saúde Mental e das tecnologias de cuidado disponíveis no
modelo psicossocial. Métodos:
Pesquisa qualitativa, com estudos narrativos,
biográficos, de quatro itinerários de cuidado na assistência e na gestão em saúde mental,
em distintos cenários do país: estagiária nos programas docentes-assistenciais PIC
(Programa de Intensificação do Cuidado a Pacientes Psicóticos) e PADAC (Programa
de Atenção Domiciliar à Crise), psicóloga da Saúde Mental na Atenção Básica no sertão
baiano, Apoio Técnico em Saúde Mental e Coordenadora da Saúde Mental em cidades
da Região Metropolitana de São Paulo. Resultados:
Os itinerários descritos desvelam
que a Clínica Psicossocial dispõe de tecnologias de cuidado sofisticadas e potentes na
atenção à crise. As tecnologias que atuam na relação, como Intensificação de Cuidados,
Manejos Vinculares, Alteridade, Posição Orientada, Atendimento Domiciliar, Filiação
Social, Cuidado às Famílias, alinham-se com a proposta do modelo psicossocial e
podem ser acionadas no cotidiano dos serviços substitutivos, no território, nas práticas
comunitárias e no domicílio dos usuários. Em cidades marcadas pela insuficiência nas
redes de serviços de saúde e pela falta de profissionais especializados, os processos e
arranjos de trabalhos devem focar-se, além do domicílio, nos recursos disponíveis no
território e na comunidade. As cidades metropolitanas que oferecem uma abundância de
serviços de saúde para as situações de crise, especialmente os Hospitais Psiquiátricos,
precisam dispor do enfrentamento ao modelo biomédico, que concentra a atenção à
crise essencialmente no profissional médico e nas instituições, abdicando das práticas
psicossociais. Em ambos os cenários, foi constatada a necessidade de investimento
intenso nas equipes, de envolvimento do domicílio como lócus de cuidado e como
suporte para o fortalecimento das relações familiares e das redes sociais e da efetivação
do cuidado em saúde mental na AB. No entanto, nem sempre o contexto é favorável à
desconstrução do fluxo de direção única CAPS-PA-Hospital Psiquiátrico, que ocorre na
maioria dos arranjos de atenção à crise. Esse cenário é típico e coloca em risco o projeto
de Modelo Psicossocial e as bases de sustentação da Reforma Psiquiátrica. Nessa
configuração, o principal desafio é suprimir do imaginário social a ideia da instituição
fechada como lócus único possível de intervenção na crise e a figura do médico e da
psicofarmacologia como agentes do cuidado. O diferencial marcante desse arranjo de
dispositivos diz respeito às decisões do coletivo (equipe, gestor da unidade, apoio
técnico e coordenação) sobre as possibilidades terapêuticas e de intervenções ou
cuidados imediatos nos momentos de crise de usuários. Para os resultados conquistados,
de redução de 50% a 75% na ocupação de leitos do PA-P por meses seguidos, como os
observados em um dos municípios, foram decisivos os grandes investimentos na
ampliação da rede, as mudanças nos processos de trabalho, a intensificação de educação
permanente, as supervisões clínico-institucionais, a ampliação de recursos humanos e o
fortalecimento das relações intersetoriais. Conclusão:
Apesar dos avanços
significativos, as práticas manicomiais persistem nos cotidianos dos serviços e das
equipes, onde impera a busca da retaguarda hospitalar e dos cuidados exclusivamente
médicos nos momentos da assistência à crise. O financiamento à RAPS não alcançou
patamares suficientes para sua implantação e seu fortalecimento, sendo comum
encontrar equipes escassas e exaustas, presas aos muros dos serviços, com agendas
lotadas e modos cristalizados de trabalho na clínica da Saúde Mental. No entanto,
observou-se, também, que o quantitativo de serviços não necessariamente se traduz em
melhor Atenção à Crise. A efetividade da atenção à crise está relacionada com o
estabelecimento de fluxos, com a interlocução positiva entre os serviços que compõem a
RAPS, com as equipes atuando no território a partir dos recursos comunitários, da
Atenção Domiciliar, do apoio às famílias, da intensificação de cuidado, entre outros.
Tais práticas constituem-se em tecnologias de cuidado potentes e promotoras de atenção
psicossocial, alinhadas aos princípios do SUS e da RPB, sobretudo nos momentos de
maiores fragilidades psíquicas dos sujeitos e dos seus núcleos familiares.