Proporção entre pressão venosa central menos arterial de dióxido de carbono e conteúdo arterial menos venoso central de oxigênio como indicador de oxigenação tissular: uma revisão narrativa
Central venous minus arterial carbon dioxide pressure to arterial minus central venous oxygen content ratio as an indicator of tissue oxygenation: a narrative review
Rev. bras. ter. intensiva; 32 (1), 2020
Publication year: 2020
RESUMO A proporção entre pressão venosa central menos arterial de dióxido de carbono e conteúdo de oxigênio arterial menos venoso central (Pcv-aCO2/Ca-cvO2) foi proposta como marcador substituto para quociente respiratório e indicador de oxigenação tissular. Alguns pequenos estudos observacionais identificaram que Pcv-aCO2/Ca-cvO2 acima de 1,4 se associa com hiperlactatemia, dependência de suprimento de oxigênio e maior mortalidade. Mais ainda, a Pcv-aCO2/Ca-cvO2 foi incorporada a algoritmos para avaliação da oxigenação tissular e ressuscitação. Contudo, a evidência para estas recomendações é bastante limitada e de baixa qualidade. O objetivo desta revisão narrativa foi analisar as bases metodológicas, os fundamentos fisiopatológicos e a evidência experimental e clínica para dar suporte à utilização da Pcv-aCO2/Ca-cvO2 como marcador substituto para quociente respiratório. De um ponto de vista fisiopatológico, o aumento do quociente respiratório secundariamente a reduções críticas no transporte de oxigênio é um evento dramático e com risco à vida. Entretanto, este evento é facilmente observável e provavelmente não demandaria maiores monitoramentos. Visto que o início do metabolismo anaeróbico é indicado pelo aumento súbito do quociente respiratório e que a faixa normal do quociente respiratório é ampla, o uso do ponto de corte definido como 1,4 para Pcv-aCO2/Ca-cvO2 não faz sentido. Estudos experimentais demonstraram que a Pcv-aCO2/Ca-cvO2 é mais dependente de fatores que modificam a dissociação do dióxido de carbono da hemoglobina do que do quociente respiratório, e o quociente respiratório e Pcv-aCO2/Ca-cvO2 podem ter comportamentos distintos. Estudos conduzidos em pacientes críticos demonstraram resultados controvertidos com relação à capacidade da Pcv-aCO2/Ca-cvO2 para predizer o desfecho, hiperlactatemia, anomalias microvasculares e dependência de suprimento de oxigênio. Um estudo randomizado controlado também demonstrou que a Pcv-aCO2/Ca-cvO2 é inútil como alvo para ressuscitação. A Pcv-aCO2/Ca-cvO2 deve ser interpretada com cautela em pacientes críticos.
ABSTRACT The central venous minus arterial carbon dioxide pressure to arterial minus central venous oxygen content ratio (Pcv-aCO2/Ca-cvO2) has been proposed as a surrogate for respiratory quotient and an indicator of tissue oxygenation. Some small observational studies have found that a Pcv-aCO2/Ca-cvO2 > 1.4 was associated with hyperlactatemia, oxygen supply dependency, and increased mortality. Moreover, Pcv-aCO2/Ca-cvO2 has been incorporated into algorithms for tissue oxygenation evaluation and resuscitation. However, the evidence for these recommendations is quite limited and of low quality. The goal of this narrative review was to analyze the methodological bases, the pathophysiologic foundations, and the experimental and clinical evidence supporting the use of Pcv-aCO2/Ca-cvO2 as a surrogate for respiratory quotient. Physiologically, the increase in respiratory quotient secondary to critical reductions in oxygen transport is a life-threatening and dramatic event. Nevertheless, this event is easily noticeable and probably does not require further monitoring. Since the beginning of anaerobic metabolism is indicated by the sudden increase in respiratory quotient and the normal range of respiratory quotient is wide, the use of a defined cutoff of 1.4 for Pcv-aCO2/Ca-cvO2 is meaningless. Experimental studies have shown that Pcv-aCO2/Ca-cvO2 is more dependent on factors that modify the dissociation of carbon dioxide from hemoglobin than on respiratory quotient and that respiratory quotient and Pcv-aCO2/Ca-cvO2 may have distinct behaviors. Studies performed in critically ill patients have shown controversial results regarding the ability of Pcv-aCO2/Ca-cvO2 to predict outcome, hyperlactatemia, microvascular abnormalities, and oxygen supply dependency. A randomized controlled trial also showed that Pcv-aCO2/Ca-cvO2 is useless as a goal of resuscitation. Pcv-aCO2/Ca-cvO2 should be carefully interpreted in critically ill patients.