Situar a hiperatividade e déficit de atenção em Portugal: dimensões sociais, históricas e éticas de um tema emergente na saúde global
Situating attention deficit and hyperactivity in Portugal: social, historical, and ethical dimensions of an emerging global health issue
Situar la hiperactividad y déficit de atención en Portugal: dimensiones sociales, históricas y éticas de un tema emergente en la salud global
Cad. Saúde Pública (Online); 36 (12), 2020
Publication year: 2020
A perturbação de hiperatividade e déficit de atenção (PHDA) é considerada um dos problemas de comportamento e neurodesenvolvimento mais frequentes nas crianças e adolescentes em idade escolar, tanto em Portugal como a nível mundial. Além disso, a categorização diagnóstica da PHDA e a prescrição de psicoestimulantes como tratamento de primeira linha têm sido não só objeto de pesquisa científica e validação clínica, mas também alvo de polêmica e crítica social, sobretudo à luz do conceito de medicalização. Apesar do seu aspecto midiático e relevância em domínios tão diversos quanto os da educação, do medicamento, da saúde mental e dos apoios psicossociais, existe uma lacuna profunda na caracterização das dimensões históricas, socioéticas e institucionais da PHDA em Portugal. Aliando dados historiográficos e etnográficos à análise documental e da mídia, este artigo procura responder a esse desafio, traçando a trajetória social da PHDA neste país - desde a emergência da "hiperatividade" nos anos 1970/1980 ao debate público e político sobre a prescrição de psicoestimulantes. Dessa perspectiva interdisciplinar e por meio do estudo do caso português, procura contextualizar-se a definição, validação e ampliação da PHDA como parte de um processo dinâmico e socialmente situado na interseção de sistemas diagnósticos e farmacêuticos globais, contingências institucionais e socioeconômicas e, ainda, políticas públicas e especificidades locais. Discute-se, por fim, a forma como o caso da PHDA em Portugal contribui para o desenvolvimento de novas linhas de reflexão e de pesquisa interdisciplinar que permitem repensar o escopo social da saúde mental e da saúde global.
Attention deficit and hyperactivity disorder (ADHD) is considered one of the most frequent behavioral and neurodevelopmental problems in school-age children and adolescents, both in Portugal and worldwide. The diagnostic categorization of ADHD and the prescription of psychostimulants as its first-line treatment have been the object not only of scientific research and clinical validation, but also of controversy and social critique, especially in light of the concept of medicalization. Despite its high profile and salience in such diverse fields as education, pharmaceuticals, mental health, and public policy, a significant gap remains in the characterization of social-historical, ethical, and institutional dimensions of ADHD outside English-speaking countries. Combining historical and ethnographic research with document and media analysis, the article addresses that challenge by tracing the social trajectory of ADHD in Portugal, from the emergence of "hyperactivity" in the 1970s and 1980s to the current public and political debates on psychostimulant treatments and prescribing trends. From this interdisciplinary perspective and based on the Portuguese case study, the aim of this article is to contextualize the definition, validation, and expansion of ADHD as part of a dynamic and socially situated process in which global diagnostic and pharmaceutical systems intersect with institutional and socioeconomic contingencies, as well as local specificities and needs. More broadly, the article discusses how the case study of ADHD contributes to the development of interdisciplinary research that helps rethinking the social scope of mental health across local and global health contexts.
El trastorno de hiperactividad y déficit de atención (THDA) está considerado uno de los problemas de comportamiento y neurodesarrollo más frecuentes en niños y adolescentes en edad escolar, tanto en Portugal, como a nivel mundial. Asimismo, la categorización diagnóstica del THDA y la prescripción de psicoestimulantes como tratamiento de primera línea ha sido no sólo objeto de investigación científica y validación clínica, sino también objeto de polémica y crítica social, sobre todo a la luz del concepto de medicalización. A pesar de su cariz mediático y relevancia en dominios tan diversos como son los de la educación, del medicamento, de la salud mental y de los apoyos psicosociales, existe una laguna profunda en la caracterización de las dimensiones históricas, socio-éticas e institucionales del THDA en Portugal. Aunando datos historiográficos y etnográficos y al análisis documental, y de los medios de comunicación, este artículo procura responder a este desafío, trazando la trayectoria social del THDA en este país - desde la emergencia de la "hiperactividad" en los años 1970/1980 al debate público y político sobre la prescripción de psicoestimulantes. Desde esta perspectiva interdisciplinar, y a través del estudio del caso portugués, se intenta contextualizar la definición, validación y ampliación del THDA como parte de un proceso dinámico y socialmente situado, que atraviesa sistemas diagnósticos y farmacéuticos globales, contingencias institucionales y socioeconómicas e, incluso, políticas públicas y especificidades locales. Se discute, finalmente, la forma en la que el caso del THDA en Portugal contribuye al desarrollo de nuevas líneas de reflexión y de investigación interdisciplinaria que permiten repensar el campo social de la salud mental y de la salud global.