Os desafios da epidemia do ebola
The challenges of ebola epidemic
Rev. bras. promoç. saúde (Impr.); 27 (3), 2014
Publication year: 2014
Desde que se criaram as condições para a existência de aglomerados populacionais, os grandes flagelos sanitários da humanidade sempre estiveram presentes. As condições de vida, os desastres naturais ou provocados, podem agravar consideravelmente o risco de epidemias. Ao largo da história da humanidade, se viu populações de todo o mundo afetadas esporadicamente por surtos devastadores de doenças infecciosas, com destaque para cólera, peste e varíola. Hipocrates (460-377 AC) e Galeno (129-216 DC) já descreveram em suas épocas um doença que provavelmente era a cólera(1).A relação entre doença e civilização tem raízes mais antigas que a historia escrita. Os males sofridos durante os primeiros estágios da evolução humana foram identificados através de estudos arqueológicos(2).A atualidade é marcada por erupções recorrentes de doenças recém- descobertas, como o hantavirus, a AIDS, o ebola e gripes provocadas por vírus de diversas estruturas, entre outras epidemias de doenças que migraram para novas áreas, moléstias que adquiriram importância através de tecnologias humanas, como as síndromes de choques tóxicos, a doença dos legionários e zoonoses, em decorrência da destruição dos habitats naturais dos animais pelo homem. Algumas dessas doenças são potencialmente epidêmicas, e poderão gerar epidemias em grande escala, até mundial, a exemplo da epidemia global do vírus da imunodeficiência humana, a AIDS, considerada a primeira doença infecciosa epidêmica moderna(2,3).O grande aumento da movimentação de pessoas e mercadorias pelo mundo é força motriz por trás da globalização das doenças, tornando o mundo mais rapidamente vulnerável às mesmas e à sua propagação, tanto de antigas como de novas enfermidades. As pessoas e as mercadorias passaram a viajar e circular mais, muito mais rápido e a mais lugares e com elas, transportam-se micro-organismos a locais onde antes inexistiam.A nova epidemia de Ebola traz, no seu bojo, grandes desafios para os serviços de saúde e pesquisadores. Três fatores intervieram para sua eclosão e repercussão. O primeiro está na gravidade da doença, expressa numa letalidade de 50 a 90%. O segundo diz respeito à magnitude, abrangendo três países e cidades altamente populosas, na Libéria, Guiné Conacri e Serra Leoa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde - OMS, os surtos surgem, normalmente, em aldeias remotas da África Central e Ocidental, próximo a florestas tropicais. Neste momento, o vírus, que tem cinco estirpes, só existe no continente africano, mas já houve casos nas Filipinas e na China(4,5,6).E o terceiro está ligado à questão cultural, tanto do ponto de vista dos costumes locais que favorecem a transmissão, como da desconfiança da população em relação aos serviços de saúde e seu despreparo. Nesta mescla de cultura apareceu uma nova ameaça vinculada à intensa mobilidade entre países, através da aviação turística e de negócios.A possibilidade de expansão para os países desenvolvidos colocou o mundo em alerta, em particular a OMS. A resposta dos órgãos internacionais foi lenta e limitada quando a epidemia abrangia só os países africanos. O Ebola existe desde 1976 na República Democrática do Congo e no Sudão, quando da primeira epidemia e pouco foi feito, desde então, até esta avassaladora epidemia atual, que já matou em torno de 5.000 africanos. Três estratégias e ao mesmo tempo, desafios, tornaram-se evidentes atualmente, onde a primeira ação deu-se numa localidade onde os Médicos Sem Fronteiras propuseram contratar pessoas curadas do Ebola como agentes multiplicadores, uma espécie de agente comunitário de saúde, e instituíram o ritual do abraço, em que os profissionais de saúde sem seus equipamentos de proteção abraçavam o paciente curado no momento da alta. A confiança da população e o compromisso dos profissionais reduziram a letalidade para 10 a 20%. O segundo evento marcante, a solidariedade internacional, teve a expressão maior nos Médicos Sem Fronteiras e no envio de 250 profissionais pelo governo Cubano, entre médicos e enfermeiros. O Terceiro evento, que se reverte de importância fundamental nas doenças virais, foi o impulso da pesquisa, no desenvolvimento de uma vacina eficaz contra o Ebola(4,5,6).
São os maiores desafios diante da nova possível epidemia de Ebola:
a integração dos serviços de saúde com a população local, levando em conta os aspectos culturais e a realidade das desigualdades em saúde. Assumir o conceito de equidade, enfrentando a distribuição desigual dos fatores de exposição aos riscos de adoecer e morrer e do acesso a bens e serviços de saúde entre grupos populacionais distintos, através do aporte de maiores recursos, a solidariedade internacional e a pesquisa aplicada para responder às necessidades da população.Por último, é fundamental e indispensável a colaboração internacional em todos os procedimentos de vigilância epidemiológica e sanitária nas fronteiras e nas entradas em aeroportos em cada país, para a identificação precoce dos casos suspeitos, o cuidado no manejo e o tratamento temporário para evitar a disseminação do vírus e surtos epidêmicos em outros países.Estando sempre disposta a esclarecer dúvidas sobre o Ebola ou qualquer enfermidade de risco mundial, a Revista Brasileira em Promoção da Saúde ficará atenta às novidades científicas acerca dessa alastrante epidemia, como a divulgação de novas vacinas e tratamentos, e comunicará a seus leitores, para juntos com o Ministério da Saúde e OMS conseguirmos controlar o Ebola.
Major human scourges have been present for as long as there have been conditions for the establishment of human settlement. Living conditions, natural and man-provoked disasters can intensify the risk of epidemics considerably. Throughout mankind?s history, populations all over the world have sporadically been affected by devastating outbreaks of infectious diseases, especially cholera, plague and smallpox. Hippocrates (460-377 BC) and Galen (129-216 AD) have already described an illness that might well have been cholera(1).Diseases associated with civilization is older than written history. The illnesses at the early stages of human development were identified by archeological studies(2).Today?s society is marked by recurrent eruptions of newly discovered illnesses, like the hantavirus, AIDS, Ebola and influenzas caused by viruses with several different structures, and other epidemics of diseases migrating to new areas, diseases which became important through human technologies, like the toxic shock syndrome, Legionnaire?s disease and zoonoses, through man-made disruptions in local habitats. Some of these diseases will possibly generate large-scale, worldwide epidemics, like the global epidemic of human immunodeficiency virus, AIDS,considered the first of the modern epidemics of infectious diseases(2,3).The large increase in worldwide movement of people and goods is the driving force behind the globalization of diseases, making the world more vulnerable to the widespread of both old and new diseases. People and goods have started to move and travel more, bringing with them microorganisms to places where they have never existed.The new epidemic of Ebola poses great challenges for health services and researchers.Three key factors contributed for its outbreak and repercussion. The first one is the severity of the disease, which presents mortality rates ranging from 50 to 90%. The second factor refers to the magnitude of the disease, which affects three largely populated countries and cities (Liberia, Guinea-Conakry and Sierra Leone). According to the World Health Organization (WHO), the outbreaks occur primarily in remote villages in Central and West Africa, near tropical rainforests. Currently, the virus comprises five species and it only exists in the African continent, but there have been case reports in the Philippines and China(4,5,6).The third factor refers to cultural aspects concerning local practices that have favored transmission and the population?s distrust of health services and their unpreparedness. This melting pot gave rise to a new threat that is associated with the huge mobility between countries through tourism and business travel.The risk of Ebola spread in developed countries has put the world in a state of alert, particularly the WHO. As the epidemic affected African countries only, the response by international authorities was slow and patchy. Ebola virus was first discovered in 1976 in the Democratic Republic of the Congo and in Sudan, and little has been done since then until the current devastating outbreak that has already killed circa 5,000 Africans. Three strategies ? also challenges ? have become evident today, and the first action took place in a location where Médecins Sans Frontières (Doctors without Borders) proposed to hire people cured from Ebola to work as peer educators (a kind of a community health agent) and established the hug ritual, in which healthcare professionals, without any protective equipment, shared a hug with patients discharged from treatment centers. The population?s confidence and professionals? commitment have reduced lethality rates from 10 to 20%. The second major event, the international solidarity, was notably evident due to the Médecins Sans Frontières and the deployment of 250 professionals (nurses and doctors) by the Government of Cuba. The third event, which is notably important for virus diseases, was the boost in research for the development of an effective vaccine against Ebola(4-6).