Programa bolsa família: a condicionante saúde realmente existe?
Family grant program: does the health conditionality really exist?
Rev. bras. promoç. saúde (Impr.); 27 (4), 2014
Publication year: 2014
Historicamente, o Sistema de Proteção Social do Brasil se caracteriza por apresentar uma estrutura dual de seguridade social: aos grupos mais vulneráveis socialmente e não inseridos no mercado de trabalho, destina-se a assistência social, enquanto os trabalhadores inseridos no mercado formal de trabalho vinculam-se à previdência social. As camadas pobres da sociedade brasileira, marcadas pela quase ausência de pressão social e sem posição sócio-ocupacional definida, em alguns momentos históricos, foram beneficiadas, e seu atendimento sempre foi justificado como um ato humanitário ou uma moeda política(1).Nesse aspecto, destaca-se o Programa Bolsa Família (PBF), como um programa de combate à pobreza, criado através de Medida Provisória n.o 132/2003, transformado em Lei n.o 10.836/2004 e regulamentado por Decreto n.o 5.209/2004.
Foi iniciado em outubro de 2003 e constituído através da unificação de quatro programas de transferência de renda:
Bolsa Escola, Auxílio-Gás, Bolsa Alimentação e Cartão Alimentação(2).A gestão do Programa Bolsa Família é descentralizada e compartilhada entre União, estados, Distrito Federal e municípios. Os entes federados trabalham em conjunto para aperfeiçoar, ampliar e fiscalizar a execução. O programa é destinado a famílias em situações de extrema pobreza e pobreza(3).Desde 2004, o PBF encontra-se vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), mais especificamente à Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc). A inserção das famílias no programa é feita mediante inscrição no Cadastro Único (CadÚnico), de gestão municipal, do qual são selecionadas, de acordo com os critérios do governo federal para o recebimento do benefício(4).Uma das questões mais polêmicas sobre os programas de combate à pobreza é o alcance de sua efetividade. Em pesquisa realizada em 2006(1), em João Pessoa-PB, junto a vinte mães beneficiárias do PBF, os dados evidenciaram que 65% das mães consideram o benefício um favor do Estado. Os autores também apontaram que a assistência social no Brasil ainda é vista como caridade, implicando em direitos sociais minimizados e insuficientes, não garantindo o seu caráter de universalidade, e que o Bolsa Família se afasta cada vez mais de um princípio universal e da garantia de uma renda mínima sem mecanismos seletivos e burocráticos de acessibilidade.As condicionalidades do Programa Bolsa Família são responsabilidades relacionadas ao cumprimento de ações nas áreas de saúde, educação e assistência social para melhorar as condições de desenvolvimento familiar, principalmente das crianças e adolescentes. Entretanto, essas condicionalidades assumidas pela família e pelo poder público são: na área da educação, matrícula e frequência de 85% da carga horária escolar mensal para crianças de 6 a 15 anos, e matrícula e freqüência escolar de 75% para adolescentes de 16 a 17 anos; na área da saúde, calendário de vacinação de menores de sete anos, aferição de peso e estatura, serem examinados conforme o Ministério da Saúde (MS) e acompanhamento de gestantes e nutrizes; na assistência social, fortalecimento do Programa de Erradicação do Trabalho Infantil para crianças e adolescentes de até 15 anos.Bolsa Família representa um avanço no campo social, mas se limita quando não atinge sua universalidade nem consegue chegar a todos os que precisam de proteção social(1). Limita-se, também, quando suas condicionalidades determinam que crianças e adolescentes tenham quefrequentar escolas públicas, mas não garantem qualidade de ensino; ou quando exigem acompanhamento nas unidades de saúde, mas os profissionais não estão ?preparados? para essa função. Superar a pobreza significa ir além dos aspectos burocráticos e seletivos para verdadeiramente atingir a todos, incondicionalmente.Quando nos referimos aos profissionais de saúde ?não preparados? para a função, queremos, na verdade, salientar o que ocorre na prática. Percebe-se, no monitoramento das condicionalidades do PBF na área da saúde, que ambos os sexos não são beneficiados da mesma forma, valendo apenas o acompanhamento do crescimento, desenvolvimento e calendário de vacinação de crianças menores de sete anos e acompanhamento de gestantes e nutrizes, apontando uma lacuna para as crianças acima de 7 anos e, principalmente, para adolescentes do gênero masculino.Apesar de, muito antes do PBF, o MS instituir o Programa Saúde do Adolescente (PROSAD), este nunca foi implantado como deveria. Vale ressaltar que, na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens (PNAISAJ), a adolescência e a juventude abrangem a faixa etária de 10 a 24 anos e, na Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), o foco de atenção aponta para o grupo de homens na faixa etária de 25 a 59 anos(5,6). O recorte etário realizado pelas Ciências Biológicas, Ciências Políticas, Ciências Jurídicas e Políticas Sociais ignora as características desse segmento populacional nas orientações de práticas sociais, na elaboração de políticas de desenvolvimento coletivo, na investigação epidemiológica e no conhecimento de certas especialidades. Há uma parcela significativa da população adolescente brasileira ? em torno de 30% a 33% da população total ao longo da primeira década do século XXI, segundo fontes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ? que é negligenciada pela sociedade no que diz respeito à saúde e participação social(5).Na definição das linhas de ação para o atendimento da criança e do adolescente, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) destaca as políticas e programas de assistência social, determinando o fortalecimento e a ampliação de benefícios assistenciais e políticas compensatórias como estratégia para redução dos riscos e agravos de saúde dos jovens. Esses são os novos marcos ético-legais que devem nortear as políticas nacionais de atenção à saúde dos jovens no Sistema Único de Saúde(7).Diante desse contexto, pergunta-se: os beneficiários do Programa Bolsa Família têm conhecimento sobre a condicionante saúde? A saúde pública tem conhecimentosobre a importância dessa condicionante para a nossa população jovem? Acreditamos que a condicionante saúde existe, mas, infelizmente, muito aquém do que realmente a nossa população merece e necessita.
Historically, the social protection system in Brazil has been characterized by presenting a dual structure of social security: to the most socially vulnerable groups, which are not included in the labour market, is addressed the social assistance, while the workers inserted into the formal labour market are bound to the social security. The poor strata of Brazilian society, marked by nearly complete absence of social pressure and no defined socio-occupational position, have gained benefits in certain historical moments, and providing to them has always been justified as a humanitarian act or a political currency(1).In this regard, the Family Grant Program (FGP) stands out as a program to fight poverty, created by Provisional Measure no. 132/2003, converted into Law no. 10,836/2004 and regulated by Decree no. 5,209/2004.