Identidades em crise: imigrantes, emoções e saúde mental em Portugal
Identities in crisis: migrants, emotions and mental health in Portugal
Saúde Soc; 19 (1), 2010
Publication year: 2010
Este artigo, baseado em 4 anos de pesquisa de terreno num serviço de saúde mental específico para imigrantes em Portugal, discute criticamente o carácter da experiência migratória enquanto factor de risco e patologia psíquica. As condições particularmente duras da migração contemporânea são consideradas como propícias a um aumento exponencial de psicopatologias. A ideia de que a emigração esteja indissoluvelmente ligada a formas específicas de sofrimento psicológico acabou para promover uma progressiva medicalização da experiência migratória. Esta leitura patologizante da experiência migratória funda as suas conclusões sobre o modelo de "selecção negativa", isto é: seriam os sujeitos fracos, pouco integrados na sociedade de origem, com escassas ligações afectivas e estrutura familiar instável a optar pela emigração, levando a que os seus distúrbios latentes se manifestassem particularmente no país de acolhimento. A representação da vulnerabilidade psicológica como característica intrínseca dos migrantes não toma todavia em conta a relação mais ampla entre sofrimento individual e experiência de exclusão, marginalização social, discriminação e precariedade das condições habitacionais e laborais, entre outros factores. O estereótipo do imigrante como pessoa frágil do ponto de vista mental, com um elevado risco de desenvolvimento de patologias psiquiátricas, permite transformar os problemas sociais, económicos e políticos de grupos desfavorecidos em elementos potencialmente patológicos que podem ser controlados e monitorizados farmacologicamente.
Based upon four years of fieldwork in a Portuguese mental health service for migrants, this paper critically discusses the nature of migratory experience as a risk factor and mental pathology. Several authors recently suggested that the very harsh conditions of contemporary migration are connected with an exponential increase in psychopathology. The idea of migration as inextricably linked to specific forms of mental suffering engenders a progressive medicalization of the migratory experience. This interpretation is based on the model of "negative selection". According to this model, it would be the weaker subjects, poorly integrated into their own societies, with few emotional bonds and unstable family structures, who would most likely choose to migrate. As a consequence, their latent mental disorders emerge distinctly in the host country. This representation of psychological vulnerability as a migrants' intrinsic characteristic, however, does not take into account the wider relationship between individual suffering and experiences of social exclusion, discrimination and shakiness of housing and working conditions, among other factors. The stereotype of the migrant as a mentally unstable person, with high risk of developing psychiatric disorders, transforms the social, economic and political matters of disadvantaged groups into mental problems that can be pharmacologically controlled and monitored.