Dengue, zika e chikungunya - desafios do controle vetorial frente à ocorrência das três arboviroses parte I
Dengue, zika and chikungunya – challenges for vector control given the occurrence of three arboviruses - PART I

Rev. bras. promoç. saúde (Impr.); 29 (3), 2016
Publication year: 2016

Mesmo antes da introdução do vírus Chikungunya (CHIKV) e do vírus Zika (ZIKV) nas Américas e no Brasil entre 2013 e 2015, com registro de grandes epidemias(1-3), já havia consenso de que o modelo tradicional de controle vetorial não era capaz de impedir isoladamente a expansão geográfica da dengue para áreas até então indenes(4,5). Por outro lado, a comunidade acadêmica concluía que tampouco uma iniciativa global de imunização, com introdução em larga escala de vacinas contra a dengue, diminuiria consideravelmente a transmissão do vírus (DENV), quando vista dissociada de outras intervenções(6). A combinação entre um controle vetorial mais eficiente, que impacte na força de transmissão da doença, com a vacinação de grandes contingentes populacionais, que diminua a proporção de suscetíveis, parece ser uma estratégia promissora(6,7). No entanto, realisticamente, a falta de uma vacina eficaz e custo-efetiva contra os quatro sorotipos do DENV e a indisponibilidade de tratamento e imunobiológicos específicos contra o CHIKV e ZIKV ainda afirmam o protagonismo do combate ao Aedes aegipti, como estratégia central de contenção das arboviroses. Porém, o controle vetorial só terá êxito se conseguir incorporar novas tecnologias e ferramentas que possam, em articulação com as já em vigor, alcançar resultados mais satisfatórios, que comprovadamente diminuam a carga da doença e não apenas melhorem indicadores entomológicos(7).

Arboviroses:

a magnitude do problema A dengue é a doença viral transmitida por artrópodes (arbovirose) responsável pelo maior número de casos e mortes no mundo, representando um grave problema de saúde pública de escala global(7). O aumento exponencial da incidência da doença e sua expansão geográfica impressionam, quando se sabe que no final dos anos de 1960 apenas nove países haviam registrado surtos com transmissão autóctone. Ao se saltar para 2016, a dengue é endêmica em mais de 120 países, com 100 milhões de casos estimados a cada ano e quatro bilhões de pessoas vivendo em áreas consideradas de risco de infecção pelo DENV(4,6,8). O Brasil responde por cerca de 70% do total de casos notificados nas Américas a cada ano. Em 2010, vinte e cinco anos após a reemergência da doença no país, mais de um milhão de casos foram notificados pelos estados brasileiros, com sobrecarga dos serviços de saúde, refletida em quase cem mil hospitalizações, e 678 óbitos, metade deles de menores de 42 anos(9). A potencial associação entre o ZIKV e a ocorrência de microcefalia e outras alterações congênitas em fetos e bebês infectados por transmissão vertical nas Américas levou a Organização Mundial de Saúde a decretar esta como uma situação de Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) em fevereiro de 2016(10,11). A associação que seria reconhecida como de natureza causal pelo U.S Centers for Disease Control and Prevention (CDC) e pela OMS dois meses depois, havia sido sugerida por neurologistas brasileiros a partir de setembro de 2015, com base no aumento de casos de microcefalia em áreas com histórico de epidemia prévia pelo ZIKV(10-13). Em agosto de 2016, o Ministério da Saúde informava 1806 casos confirmados de microcefalia e ou alterações do Sistema Nervoso Central, sugestivos de infecção congênita acumulados desde o início da contagem em novembro de 2015(14). O ZIKV foi isolado pela primeira vez no Brasil em amostras de sangue obtidas em março de 2015 na Bahia(15), mas relatos de casos de uma doença exantemática desconhecida remontam ao final de 2014 e é provável que sua introdução no Brasil tenha ocorrido de fato em2013(12,16). O Brasil naquele momento passou então a evidenciar em alguns estados a circulação simultânea de três arbovírus, pois também já havia transmissão autóctone do vírus Chikungunya (CHIKV) desde setembro de 2014(2). Ao longo de 2015 e 2016, surtos explosivos de febre de Chikungunya ocorreram em diversos Estados do Nordeste Brasileiro. Apenas nesse último ano foram mais de 170.000 casos prováveis no Brasil(17). As razões que justificam a rápida disseminação das arboviroses são complexas e não satisfatoriamente esclarecidas. Porém, pode-se afirmar que além de fatores intrínsecos relacionados à própria patogenicidade dos agentes, mudanças climáticas, demográficas e sociais têm contribuído para esse processo. Em especial, o aumento do fluxo de pessoas entre países (movimento migratório ou por lazer) parece ter sido determinante na introdução tanto do CHIKV quanto do ZIKAV nas Américas(2,16). A urbanização acelerada sem planejamento apropriado na maioria dos países em desenvolvimento, por exemplo, relaciona-se com o aumento das infecções por DENV, por expandir o habitat dos vetores primários, principalmente o Aedes aegypti, em áreas densamente povoadas(18,19). A circulação de vírus emergentes em áreas onde o mosquito transmissor é endêmico, o saneamento precário e a população totalmente suscetível permite exacerbar essa associação. Esse tema, atualmente, desperta dia a dia novos estudos e pesquisas, dado seu impacto na saúde mundial, não se esgotando neste Editorial, permitindo assim, que a discussão continue o que será realizado no próximo número da Revista Brasileira em Promoção da Saúde.
Long before the emergence of the Chikungunya virus (CHIKV) and the Zika virus (ZIKV) in the Americas and in Brazil between 2013 and 2015, with a record of major epidemics(1-3), there was already a consensus that the traditional model of vector control alone was not capable of stopping the geographical spread of dengue throughout areas hitherto unaffected(4,5). On the other hand, the academic community concluded that a global initiative for immunization, with a large-scale development of vaccines against dengue, will not considerably reduce the transmission of the virus (DENV) if not coupled with other interventions(6). The combination of a more efficient vector control – which has an impact on the force of disease transmission – with the vaccination of large populations – to decrease the proportion of susceptible individuals – appears to be a promising strategy(6,7). However, realistically, the lack of an effective cost-effective vaccine against all four serotypes of DENV and the unavailability of treatment and specific immunobiological drugs against CHIKV and ZIKV still highlight the battle against Aedes aegypti as a central strategy for the containment of arboviruses. However, vector control will only succeed if it includes new technologies and tools that can – in conjunction with those already in effect – achieve more satisfactory results proven to reduce the burden of disease and not only improve entomological indicators(7).

Arboviruses:

magnitude of the problem Dengue is a viral disease transmitted by arthropods (arbovirus) responsible for the largest number of cases and deaths worldwide, representing a serious public health problem on a global scale(7). The exponential increase in the incidence of the disease and its geographic expansion are impressive given that by the end of 1960 only nine countries had reported outbreaks with autochthonous transmission. In 2016, dengue has become endemic in more than 120 countries, with 100 million estimated cases every year and four billion people living in areas considered at risk for infection by DENV(4,6,8). Brazil accounts for about 70% of all cases reported in the Americas each year. In 2010, twenty-five years after the re-emergence of the disease in the country, more than one million cases were reported by Brazilian states, which overwhelmed health services with nearly a hundred thousand hospitalizations and 678 deaths – half of which were of people under 42 years(9). The potential association between ZIKV and the occurrence of microcephaly and other congenital abnormalities in fetuses and babies whose infection was vertically transmitted in the Americas led the World Health Organization to declare that it is a Public Health Emergency of International Concern (PHEIC) in February 2016(10,11). The association, which would be recognized as causal relationship by the US Centers for Disease Control and Prevention (CDC) and the WHO two months later, was suggested by Brazilian neurologists from September 2015 based on the increase in cases of microcephaly in areas with previous epidemic history ofZIKV(10-13). In August 2016, the Ministry of Health reported 1,806 confirmed cases of microcephaly and/or CNS changes suggestive of congenital infection accumulated since they started to be counted in November 2015(14). The ZIKV was first isolated in Brazil in blood samples obtained in March 2015 in Bahia(15), but reports of an unknown rash disease date back to the end of 2014 and it is likely that its introduction in Brazil has actually occurred in 2013(12,16). Since then, Brazil started to identify in some states the simultaneous circulation of three arboviruses as autochthonous transmission of Chikungunya virus (CHIKV) was already reported since September 2014(2). Throughout 2015 and 2016, explosive outbreaks of Chikungunya fever occurred in several states of Northeastern Brazil. Last year alone, there were more than 170,000 probable cases in Brazil(17). The reasons for the rapid spread of arboviruses are complex and not well understood. However, it can be said that in addition to intrinsic factors related to pathogenic agents themselves, climatic, demographic and social changes have contributed to this process. Particularly, the increased movement of people across countries (migration or leisure) appears to have been instrumental in introducing both CHIKV and ZIKV in the Americas(2,16). The rapid and unplanned urbanization in most developing countries, for example, is related to the increase in infections by DENV as it expands the habitat of primary vectors, particularly Aedes aegypti, in densely populated areas(18,19). The circulation of viruses emerging in areas where the mosquito is endemic, the poor sanitation and a totally susceptible population allows to exacerbate this association. This issue is currently giving rise to new studies and research given its impact on global health and it is not totally covered in this Editorial, which allows the debate to continue, which will be held in the nextissue of the Brazilian Journal in Health Promotion.

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