Curriculum vitae de um filósofo checo (posfácio ao "Essais hérétiques: sur la philosofie de l'histoire", de Jan Patočka)
Curriculum vitae of a Czech philosopher (afterword to "Essais hérétiques: sur la philosofie de l'histoire", by Jan Patočka)

Rev. abordagem gestál. (Impr.); 22 (2), 2016
Publication year: 2016

A vida espiritual de toda nação é de fato uma luta contra o debacle moral, declarou com coragem Jan Patocka em mensagem publicada no ano de trevas de 1939, e "as fontes insubstituíveis da riqueza espiritual são as grandes personalidades.

Mas elas não se fabricam por encomenda:

elas são um dom da graça. Os recursos que temos a nossa disposição para o combate espiritual são intelectuais e morais. Devemos nos esforçar para alcançar um grande rigor e uma flexibilidade ainda maior no pensamento e adquirir uma enorme disciplina interior". Três filósofos checos alcançaram renome mundial, uma autoridade moral e uma vida justa excepcional: Jan Amos Komensky (1592-1670), Tomas Guarrige Masaryk (1850-1937), Jan Patocka (1907-1977). Patocka foi um dos últimos estudantes de Edmund Husserl, que considerava o jovem checo como um de seus discípulos mais penetrantes. Ele se sentiu pessoalmente atingido quando os nazistas, que estavam no poder na Alemanha, proibiram seu mestre de exercer qualquer atividade pública, e teve um papel ativo na organização das conferências de Husserl em Praga, mas não teve êxito para que seu professor se fixasse na Checoslováquia e, por conseguinte, sua obra. Em seu discurso de 1938 em memória de Husserl, Patocka elogiou o devotamento dedicado pelo filósofo falecido em favor de uma corrente perpétua de fé no livre direito do homem à verdade é à autodeterminação. Esse movimento, afirmava, "parece muitas vezes preso pela desordem e as nuvens internas bem como pelas épocas cruéis, mas não pode ser vencido, a não ser que a humanidade renuncie à sua essência". As atividades de Patocka na Universidade Charles, inauguradas com sua obra de 1936, O mundo natural com problema filosófico, foram interrompidas em 1939 por ocasião da invasão alemã à Checoslováquia. Elas foram retomadas brevemente após a guerra, mas foi obrigado a interrompê-las logo após 1948. Foram novamente retomadas por um curto período em 1968, mas mais uma vez foi obrigado a se retirar. Ainda que as atividades professorais do mestre inspirado estivessem reduzidas a um seminário privado sobre fenomenologia, praticamente clandestino, ele conseguiu, apesar de todos os obstáculos, prosseguir com suas múltiplas pesquisas e a redigir seus trabalhos em um minúsculo apartamento subterrâneo.

Suas limitadas possibilidades de publicação foram em seguida reduzidas à zero:

publicou em 1960 uma tradução da Fenomenologia do espírito de Hegel e, em 1967, uma tradução de sua Estética, mas em seguida suas traduções só puderam aparecer sob diferentes pseudônimos. O único de seus escritos publicado depois da guerra foi sua notável monografia, Aristóteles, seus precursores e seus sucessores, pela Academia de Ciências Checoslovaca, em 1964. O tema principal desse livro é a continuidade do movimento, ao mesmo tempo físico e espiritual, como ideia dominante da tradição que conduz de Aristóteles à Hegel. Como o próprio Patocka afirma esse livro não é a história de soluções definitivas, mas de questões abertas que levam a novos problemas e visam incitar os filósofos a novas reflexões. O aprofundamento nessa questão difícil que é o movimento interno é revelador do desenvolvimento do pensamento de Patocka, de seu esforço perseverante e de sua pesquisa. Com diferentes detalhes históricos a sorte foi cruel com a herança literária dos três filósofos checos que citamos mais acima. Komensky, exilado e errante por toda a vida, foi por muito tempo um autor proibido em sua pátria. Seus livros foram parcialmente impressos no estrangeiro, mas permaneceram em sua maior parte como manuscritos, alguns só foram descobertos em nossa época e, inclusive, em 1934, a mais importante e mais vasta obra dentre elas: De rerum emendatione consultatio catholica, "consulta universal sobre a reforma das ocupações que tornam o homem humano", segundo a interpretação que Patocka deu ao título dessa grande obra. Na última frase de seu livro sobre Aristóteles, Patocka caracterizou a obra de Komensky recentemente descoberta como "a síntese mais vasta e mais ambiciosa jamais tentada por um filósofo checo".

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