Existe um campo e um conceito no estudo da política pública efetivando a promoção da saúde?
Is there a field and a concept in the study of public policy for the effectiveness of health promotion?

Rev. bras. promoç. saúde (Online); 30 (2), 2017
Publication year: 2017

A crítica acerca do pensamento comum sobre política é imprescindível ao se ponderar a interface estabelecida com os saberes acadêmicos, cuja construção se dá na incerteza das ciências, na interlocução dialética entre as convergências e divergências para a formulação e/ou reformulação de conceitos, além da construção de um possível campo de estudos para as políticas públicas e suas aplicabilidades. No âmbito da promoção da saúde, é imprescindível cultivar a perspectiva ampliada de que a área é transversal ao cerne das necessidades humanas, portanto, promovê-la atualmente pressupõe o entendimento acerca das políticas públicas, com seus embates e convergências constantes em busca de modelagens que possam atender as intangíveis demandas sociais. Nessa construção dual entre o senso comum e o bojo epistêmico, o estudo da política pública não está restrito a uma disciplina acadêmica, trazendo à tona o imperativo do entendimento da área como construtora do conhecimento acadêmico em múltiplas disciplinas. Pode-se comprovar essa premissa a partir do desafio que se mostra na apresentação de teorias, métodos e ferramentas únicos para o estudo da temática(1). Essa polarização ganha vultosa importância pela urgência da tomada de decisão por gestores públicos e reverbera sobre a atual conjuntura do ensino em saúde, especialmente no que tange à sua promoção. Tem-se buscado a otimização da “expertise” como aquela que se conforma sob os auspícios da "melhor evidência científica". Nessa lógica, se precisa-se de evidência científica para o ensino de um modo geral, pode-se construir um silogismo e pensar que para o ensino das políticas públicas, com o olhar na promoção da saúde, esta premissa também seja viável. No entanto, os questionamentos sobre o ensino das políticas públicas emergem de formas avassaladoras, exigindo reflexão sobre os conceitos inerentes à área e, a partir dessas cogitações, posicionar-se sobre o que ensinar, como ensinar e quando ensinar. O ensino da promoção da saúde exige discussão acerca das contradições dos contextos e as particularidades dos diversos territórios encontrados no país, tornando sua prática um desafio inerente às políticas públicas vigentes(2). Tentando aproximar-se dos discursos que se mostram tão complexos e paradoxais e, ao mesmo tempo, transparentes e tangíveis, já não é suficiente discutir a pluralidade dos contextos deste país, mas, sim, dialogar com os cenários mundiais que avançam na redução das iniquidades sociais(3).Oportuno trazer ao diálogo Pierre Bourdieu, que defende ser impossível separar os valores e as representações que temos dos ideais científicos, lembrando que não há escolhas desinteressadas. E, na perspectiva do conceito de campo, ele esclarece a presença do "campo de força", tal qual um "campo de lutas", que constrange os que nele estão. Porém, é a partir da heterogeneidade inserida no campo que florescem convergências e que se constroem as suas bordas diferenciadoras, possibilitando outros possíveis encontros ideológicos(4-5). Nessa interpretação, deve-se diferenciar os estudos de política, ciência política, economia do bem-estar e administração pública. Mesmo sendo áreas afins que se encontram na intercessão do interesse público, diferenciam-se nas suas bases e nos seus objetivos. Para isso, atenta-se ao fato de as políticas públicas exigirem ações práticas, apresentadas como positivas, em contraposição à omissão, que ressoa na inércia como reação negativa à falta de proatividade(6). A partir dessa premissa, competências para a promoção da saúde devem ser construídas na formação profissional, agregando conceitos de equidade, justiça social, ética e autonomia individual na perspectiva multifacetada intrínseca ao campo da saúde coletiva(7). Ressalta-se que, se um grupo de atores sociais tem dificuldade para entender os conceitos que o cerca, dificilmente conseguirá construir ideias claras sobre as temáticas que demandam adensamento teórico e metodológico com vistas a subisidiar novas práticas que ressignifiquem os “cotidianos”. Então, o campo plural das políticas públicas dá vazão aos subcampos: processo político, como ação que exige esforço para o seu entendimento, devido o aspecto mutável e inconstante; análise de políticas, como necessidade teórica para a compreensão mais acurada sobre as possibilidades que o campo pode trazer à baila; e avaliação de políticas, como financiador dos acertos e desafios dos conceitos inerentes à temática, denotando a realidade experimentada, mas, nem por isso, vivenciada. Portanto os conceitos do processo político na promoção da saúde, como apresentados, percorrem a temporalidade e podem ser concebidos na indagação: o que estamos fazendo? Sobre a análise das políticas encontramos o porvir: o que devemos fazer? E, o pretérito emerge na avaliação política: o que temos feito? Nesse ínterim, a eficiência e a eficácia conformam-se como atribuições que as políticas públicas, com viés na promoção da saúde, devem possuir para alcançar minimamente objetivos que priorizem as necessidades coletivas em detrimento das individuais. Para entender historicamente essas construções e ressignificar os conceitos atuais sobre a área, as concepções de Platão, Maquiavel, Thomas Hobbes, John Locke, James Madison, Adam Smith e John Stuart Mill despontam como leituras essenciais para perceber-se analiticamente a ação das sociedades sobre as políticas públicas, em diferentes cenários e temporalidades. Explicita-se que, atualmente, as políticas públicas que visem promoção da saúde precisam ser norteadas por ensino e pesquisas que considerem as iniquidades sociais presentes no mundo, buscando possíveis caminhos para impactar os resultados de saúde(8). Apropriando-se de reflexões sobre o tema, cabe-nos pensar: como aproveitar os conceitos inerentes à área para atingir o “nível ótimo” das políticas públicas na efetivação da promoção da saúde? Como a política pública se concatena com as ferramentas da ciência no intuito de propiciar reflexões que remetam às novas práticas? No cenário brasileiro, como construir políticas públicas promotoras de saúde na conjuntura de um sistema social, administrativo e financeiramente combalido? No campo da saúde coletiva, em contínua construção, tais questionamentos são complexos e nos impõem compreender o conceito de políticas de saúde como transversal às políticas públicas, ao mesmo tempo em que se mostram potentes, como possibilidades de fortalecer um sistema de saúde nacional e público que apregoa os princípios da universalidade, da integralidade e da equidade. Há, portanto, um processo em construção das políticas públicas focadas na efetivação da promoção da saúde, e a Revista Brasileira em Promoção da Saúde (Brazilian Journal in Health Promotion) se apresenta como veículo científico que possibilita o diálogo de saberes na área, contribuindo para majorar a importância destas discussões na saúde coletiva brasileira.
Criticism of common thought on politics is indispensable when pondering the interface established with academic knowledge, which is constructed on the grounds of the uncertainty of the sciences and of the dialectical interlocution between convergences and divergences in the formulation and/or reformulation of concepts, in addition to the construction of a possible field of studies on public policies and their applicability. In the context of health promotion, it is essential to disseminate the broad idea that this field cuts across the core human needs; therefore, promoting health nowadays presupposes understanding public policies and their constant conflicts and convergences in search of models that meet the intangible social demands. Because of this dual construction that originates from the common sense and the epistemic bulge, the study of public policy is not restricted to a single academic subject, which brings to the fore the importance of understanding the field as a constructor of academic knowledge in multiple subjects. This premise can be proven by the challenges in presenting theories, methods and tools exclusively designed to study the theme(1). This polarization has gained great importance due to the urgency of decision making by public managers and reverberates in current context of health education, particularly regarding its promotion. There has been an attempt to optimize “expertise” as one that is developed under the auspices of “best scientific evidence”. In this logic, if scientific evidence is needed for teaching in general, one can use syllogism and think that the same holds true for the teaching of public policies aimed at promoting health. However, questions about the teaching of public policies emerge in overwhelming ways and require reflection on the concepts inherent to the field in order to decide what to teach, how to teach and when to teach. The teaching of health promotion demands a discussion about the contradictions of the contexts and the particularities of the different territories found in the country, which makes its practice a challenge inherent in the current public policies(2). Considering the discourses that are so complex and paradoxical and at the same time transparent and tangible, it should be noted that discussing the plurality of contexts in this country is no longer enough; instead, it is necessary to dialog with the world scenarios that advance towards the reduction of social iniquities(3). It is important to mention Pierre Bourdieu, who argues that it is impossible to separate the values and representations that we have from the scientific ideals and that there are no disinterested choices. Additionally, as regards the concept of field, the author reports the presence of a “field of power”, like a “field of struggles”, which constrains those who are in it. However, the heterogeneity of the field gives rise to convergences and to the construction of differentiating edges, which enable other possible ideological encounters(4-5). With this in mind, the idea of what makes the study of politics, political science, welfare economics and public administration different should be conveyed. Even though they are related fields that fall under the public interest, they differ in their bases and their objectives. In order to do so, public policies should require the taking of practical actions, presented as positive actions, as opposed to omission, which results in inertia as a negative reaction to lack of proactivity(6). Based on this premise, competencies for health promotion must be built during professional training and should include the concepts of equity, social justice, ethics and individual autonomy in the multifaceted perspective intrinsic to the public health field(7). It should be noted that if a group of social actors has difficulties in understanding the concepts that surround it, it will be difficult to construct clear ideas on the topics that require theoretical and methodological densification to support new practices that redefine the “everyday lives”. So, the plural field of public policies gives way to subfields: political process – action that requires effort for its understanding due to its changing and inconstant aspect; analysis of policies – a theoretical necessity for a more accurate understanding of the possibilities that the field can bring about; and evaluation of policies – a funder of the correct answers and challenges of the concepts inherent to the theme denoting the reality experienced – but nevertheless lived. Therefore, the concepts of the political process in health promotion, as presented before, run through the time and can be conceived in the following question: what are we doing? The analysis of policies point to the future: what should we do? And, the past emerges in the evaluation of policies: what have we done? In the meantime, efficiency and effectiveness are embodied as attributions that public policies, with a health promotion bias, must have in order to minimally achieve objectives that prioritize collective needs over individual ones. With a view to understanding these constructions historically and redefine the current concepts about the field, Plato, Machiavelli, Thomas Hobbes, John Locke, James Madison, Adam Smith, and John Stuart Mill appear as essential readings for analyzing societies’ actions towards public policies in different scenarios and temporalities. Currently, public policies aimed at health promotion need to be guided by teaching and research that consider the social inequities present in the world in order to determine potential pathways for impacting health outcomes(8). After reflecting on the theme, we should ask ourselves: how can we take advantage of the concepts inherent to the field to reach the “optimal level” of public policies for health promotion? How is public policy concatenated with scientific tools in order to foster reflections on new practices? In the Brazilian scenario, how should public policies for health promotion be developed within a socially, administratively and financially weakened system? In the public health field, which is in continuous construction, such questions are complex and require us to understand that health policies cut across public policies. In addition, they are potent and provide possibilities to strengthen a national and public health system which proclaims the principles of universality, comprehensiveness, and equity. Based on the above, public policies focused on putting health promotion into effect are still a work in progress. The Brazilian Journal of Health Promotion stands out as a scientific journal that enables dialog on the theme between different fields of knowledge, highlighting the importance of these discussions in the Brazilian public health.

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