Epidemia de microcefalia e vírus Zika: a construção do conhecimento em epidemiologia
Epidemia de microcefalia y virus Zika: la construcción del conocimiento en epidemiología
The microcephaly epidemic and Zika virus: building knowledge in epidemiology

Cad. Saúde Pública (Online); 34 (10), 2018
Publication year: 2018

Em agosto de 2015, neuropediatras de hospitais públicos do Recife, Pernambuco, Brasil, observaram um aumento do número de casos de microcefalia desproporcional associado a anomalias cerebrais. Esse fato gerou comoção social, mobilização da comunidade acadêmica e levou o Ministério da Saúde a decretar emergência de saúde pública nacional, seguida pela declaração de emergência de saúde pública de interesse internacional da Organização Mundial da Saúde. A hipótese formulada para o fenômeno foi a infecção congênita pelo vírus Zika (ZIKV), com base na correlação espaço-temporal e nas características clínico-epidemiológicas das duas epidemias. Evidências se acumularam e no âmbito do raciocínio epidemiológico preencheram critérios que deram sustentação à hipótese. Sua plausibilidade está ancorada no neurotropismo do ZIKV demonstrado em animais, atingindo neurônios progenitores do cérebro em desenvolvimento, e em seres humanos devido às complicações neurológicas observadas em adultos após a infecção. O isolamento do RNA e antígenos virais no líquido amniótico de mães infectadas e em cérebros de neonatos e fetos com microcefalia contribuíram para demonstrar a consistência da hipótese. O critério de temporalidade foi contemplado ao se identificar desfechos desfavoráveis em uma coorte de gestantes com exantema e positivas para o ZIKV. Finalmente, o primeiro estudo caso-controle conduzido demonstrou existir uma forte associação entre microcefalia e infecção congênita pelo ZIKV. O conhecimento construído no âmbito do paradigma epidemiológico recebeu a chancela da comunidade científica, construindo o consenso de uma relação causal entre o ZIKV e a epidemia de microcefalia.
En agosto de 2015, neuropediatras de hospitales públicos de Recife, Pernambuco, Brasil, observaron un aumento desproporcional del número de casos de microcefalia, asociado a anomalías cerebrales. Este hecho generó conmoción social, movilización de la comunidad académica y obligó al Ministerio de Salud a decretar la emergencia de salud pública nacional, seguida de la declaración de interés internacional de la Organización Mundial de la Salud. La hipótesis formulada para este fenómeno fue la infección congénita por el virus Zika (ZIKV), en base a la correlación espacio-temporal y a las características clínico-epidemiológicas de las dos epidemias. Se acumularon evidencias, y en el ámbito del raciocinio epidemiológico se cumplieron los criterios que dieron apoyo a la hipótesis. Su plausibilidad está anclada en el neurotropismo del ZIKV, demostrado en animales, alcanzando progenitores neuronales del cerebro en desarrollo, y en seres humanos, debido a las complicaciones neurológicas observadas en adultos tras la infección. El aislamiento del ARN y antígenos virales en el líquido amniótico de madres infectadas, en cerebros de neonatos y fetos con microcefalia, contribuyeron a demostrar la consistencia de la hipótesis. El criterio de temporalidad se contempló al identificarse desenlaces desfavorables en una cohorte de gestantes con exantema y positivas en ZIKV. Finalmente, el primer estudio caso-control realizado demostró que existía una fuerte asociación entre microcefalia e infección congénita por el ZIKV. El conocimiento construido en el ámbito del paradigma epidemiológico recibió la aprobación de la comunidad científica, existiendo consenso en cuanto a la relación causal entre el ZIKV y la epidemia de microcefalia.
In August 2015, pediatric neurologists at public hospitals in Recife, Pernambuco State, Brazil, observed an increase in the number of disproportional microcephaly cases associated with other congenital anomalies. The fact caused social commotion and mobilization of the academic community and led the Brazilian Ministry of Health to declare a national public health emergency, followed by the declaration of a Public Health Emergency of International Concern by the World Health Organization. The hypothesis for the phenomenon was congenital Zika virus (ZIKV) infection, based on spatial-temporal correlation and the clinical-epidemiological characteristics of the two epidemics. Further evidence accumulated, and within the scope of epidemiologial reasoning fulfilled criteria that gave support to the hypothesis. The plausibility of the hypothesis is based on the neurotropism of ZIKV, demonstrated in animals, affecting neural progenitors in the developing brain, and in humans, due to neurological complications in adults following infection. Isolation of viral RNA and antigens in the amniotic fluid of infected mothers and in brains of newborns and fetuses with microcephaly further demonstrated the consistency of the hypothesis. The criterion of temporality was met by identifying adverse pregnancy outcomes in a cohort of mothers with a history of rash and positive ZIKV serology. Finally, the first case-control study demonstrated a strong association between microcephaly and congenital ZIKV infection. The knowledge built with the epidemiological paradigm was supported by the scientific community, thereby establishing the consensus for a causal relationship between ZIKV and the microcephaly epidemic.

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