O colapso de Turim: patografias de Nietzsche e racionalidades médicas
Turin's breakdown: Nietzsche's pathographies and medical rationalities

Ciênc. Saúde Colet. (Impr.); 23 (10), 2018
Publication year: 2018

Resumo Aos 44 anos, após sofrer um colapso em Turim, o filósofo Friedrich Nietzsche recebeu o diagnóstico médico de neurossífilis. Devido à ausência de autópsia em seu corpo, tal diagnóstico médico vem sendo questionado historicamente. Realizou-se a revisão da literatura disponível sobre o diagnóstico médico de Nietzsche. Destacam-se três gêneros patográficos que emergiram sucessivamente como explicações para o colapso de Turim: (1) narrativas sobre a sífilis ("demoníaco-patológicas"); (2) narrativas sobre as psicoses funcionais ("heroico-proféticas"); (3) narrativas sobre outras doenças orgânicas, distintas da sífilis ("científico-realistas"). Estas últimas - que correspondem ao nosso objeto de estudo propriamente dito neste trabalho - empreendem diagnósticos retrospectivos, buscando extrair a "verdade" subjacente à doença e elucidar o "caso Nietzsche". Questionamos tal ímpeto detetivesco, exponenciado atualmente pela "medicina baseada em evidência", e denunciamos seu anacronismo. A sífilis tornou-se um fato científico somente após a morte de Nietzsche. Conclui-se que o diagnóstico por ele recebido mostra-se consistente com a racionalidade médica oitocentista e com o estatuto da sífilis como um fato cultural naquela época.
Abstract At age 44, after suffering a breakdown in Turin, philosopher Friedrich Nietzsche was diagnosed with neurosyphilis. There was no necropsy on his body, so this medical diagnosis has been questioned over the time. We conducted a literature review on the medical diagnosis of Nietzsche, which emphasizes three genres of pathographies that emerged successively as alternatives explanations for Nietzsche's breakdown in Turin: (1) narratives about syphilis ("demoniac-pathological"); (2) narratives about functional psychosis ("heroic-prophetic"); (3) other narratives about organic diseases, other than syphilis ("scientific-realistic"). The latter - which correspond to our study object in this work - undertake retrospective diagnostics, attempting to retrieve the "truth" underlying the disease and elucidate "Nietzsche's affair". We inquire this detective-like impetus, currently taken to the extreme by "evidence-based medicine", and we denounce its anachronism. Syphilis has become a scientific fact only after the death of Nietzsche. We conclude that the diagnosis he received is shown to be consistent with the nineteenth-century medical rationality and the syphilis status as a cultural fact at that time.

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