A produção simbólica da miséria e dos miseráveis: estado, mídia e população
Publication year: 2019
Theses and dissertations in Portugués presented to the Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde to obtain the academic title of Doutor. Leader: Araujo, Inesita Soares de
Responsável por afetar milhares de pessoas em todo o mundo, a pobreza e a sua forma extremada, a miséria, tem sido temática recorrente entre estudiosos das ciências sociais e econômicas no Brasil e objeto de políticas públicas específicas. Tendo o Campo da Comunicação e Saúde como ponto de ancoragem e partindo do pressuposto de que o cenário nacional da miséria tem uma forte determinação econômica e social, mas também uma forte dimensão simbólica que passa pela construção social dos sentidos, estabelecemos como objetivo para nossa pesquisa “estabelecer e qualificar a relação da dimensão simbólica da miséria com as desigualdades sociais e iniquidades em saúde”. Para tanto, analisamos discursos de três núcleos importantes produtores de sentidos nessa temática: o Estado, a Mídia e a própria população que vivencia a miséria ou a pobreza extremada em suas vidas. No núcleo Estado, analisamos documentos governamentais vinculados à Estratégia Fome Zero e ao Plano Brasil Sem Miséria. No núcleo Mídia, foram analisadas matérias dos jornais Estado de Minas e Diário de Pernambuco referentes à temática da pobreza. Quanto ao núcleo População, a metodologia foi concretizada por meio de um trabalho de campo em Belo Horizonte/Minas Gerais – com pessoas em situação de rua – e em Recife/Pernambuco – com moradores de um bairro de periferia. Os procedimentos incluíram observação (do ambiente e dos sujeitos da pesquisa), conversação/mobilização dos sentidos (com os sujeitos da pesquisa, abordando histórias de vida, contextos e percepções do tema da pobreza) e registro dessa percepção em fotografias pelos próprios participantes.
Para a análise dos textos (escritos e imagéticos) foram adotados princípios da análise de discursos pela ótica de Milton Pinto, potencializando o uso do conceito operacional de palavras plenas e instrumentais, de Dominique Maingueneau e das formas do silêncio, de Eni Orlandi. Os resultados apontam que os discursos se constituem entremeados uns aos outros, circulando em configurações assemelhadas nos diferentes núcleos, constituindo redes de vozes e silêncios sobre a temática. Nos três núcleos foi observada forte presença da abordagem da pobreza por meio dos aspectos sociais, com temáticas transversais, como trabalho, moradia, alimentação, saúde e educação. O quesito renda, entretanto, ficou restrito aos documentos do governo e matérias jornalísticas, nos quais assume destaque. Foram produzidos quatro mapas representando as redes de sentidos em cada núcleo per se e no conjunto dos núcleos estudados. Como pontos de chegada, podemos dizer que a pobreza e a miséria, de forma coerente com sua natureza discursiva, são concepções que resultam de negociações de vozes na disputa simbólica sobre o tema e que se atualizam constantemente na prática social, refletindo interesses e relações de poder. Essas relações e interesses foram evidenciados nos textos a respeito produzidos pelos campos das políticas públicas, dos mídias e pela própria população. Nessa disputa de sentidos, a voz autorizada é a do Estado, sendo a Mídia o componente que imprime visibilidade aos seus discursos para maior número de pessoas, embora seus dispositivos também operem sobre a produção dos sentidos. As vozes do núcleo discursivo formado por moradores da periferia urbana não são ouvidas e sua visibilidade é “domesticada” pela Mídia e pelo Estado. (AU)