As histórias de vida dos idosos longevos de uma comunidade: o elo entre o passado e o presente

Publication year: 2012
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade Federal do Paraná to obtain the academic title of Doutor. Leader: Lenardt, Maria Helena

O objetivo deste estudo consistiu em interpretar as histórias de vida dos idosos longevos usuários de uma Unidade Básica de Saúde em Curitiba - PR, alicerçada na perspectiva do Envelhecimento Ativo e Curso de Vida. Foi realizada pesquisa do tipo qualitativo de enfoque sócio-histórico, a qual aborda as histórias de vida de vinte longevos. A coleta de dados ocorreu mediante a realização de entrevistas narrativas no domicílio dos participantes. As entrevistas foram gravadas e transcritas, com a autorização prévia dos informantes. As narrativas foram submetidas às etapas do processo de análise proposto pelo sociólogo alemão Fritz Schütze (2010): análise formal do texto, descrição estrutural do conteúdo, abstração analítica, análise do conhecimento, comparação contrastiva (comparação mínima e comparação máxima) e construção de um modelo teórico acerca da longevidade. As vinte histórias de vida foram submetidas às duas primeiras fases de análise. Para continuidade do processo analítico foram eleitas oito histórias de vida, que se mostraram mais pertinentes aos propósitos do estudo. As análises das trajetórias de vida resultaram em dez categorias que apresentaram semelhanças entre si, e oito consideradas diferentes às demais.

As categorias apresentadas na comparação mínima foram:

1 - O trabalho como subsistência da vida cotidiana - os membros da família trabalhavam impulsionados por suas necessidades e exigências; 2 - As famílias extensas e suas implicações - o elevado número de filhos, a situação sócioeconômica e as condições dos fatores de produção não permitiam aos pais que enviassem os filhos à escola; 3 - A família patriarcal e a educação dos filhos - os arranjos familiares eram eminentemente centrados na autoridade paterna, severidade, temor e deveres dos filhos. 4 - Os conflitos políticos presenciados na infância - A cultura de silêncio - relatos de passagens da participação política de seus genitores, bem como as repercussões desses em suas vidas; 5 - A utilização de práticas culturais de cura como alternativa no cuidado à saúde - utilizada mais frequentemente na infância - os chás, as garrafadas, como também a figura do benzedor, raizeiro e curandeiro, essas práticas tem sua perpetuação no presente; 6 - O êxodo rural como expectativa de melhora de vida - ocorreu na fase adulta dos participantes e apresenta as dificuldades iniciais enfrentadas na região urbana; 7- As perdas e os enfrentamentos ao longo do curso de vida - esses eventos representaram momentos de angústia, revolta, desgosto, e deixaram marcas, após a superação destes, reconstruíram suas vidas e famílias. 8 - A Religiosidade e sua representatividade nas trajetórias de vida dos longevos - força propulsora de suas vidas, o apego à religião denota crenças, tradições, valores e formas de proteção, expressaram sua religiosidade como verdade incondicional; 9 - A trajetória atual - uma representação diferenciada de envelhecer - o cuidado à saúde é visto como prioritário, procuram se alimentar de forma saudável e manter-se ativos. A aproximação com filhos e netos traz segurança e favorece a ajuda mútua; 10 - A trajetória futura e os projetos de vida - soam como continuidade da vida e expectativas do que podem e o que almejam fazer, num contexto de desejos, saudades e declarações de amor à vida.

As categorias que se apresentaram diferentes às oriundas da comparação inicial foram:

1 - Fumar - hábito adquirido na adolescência - entendem que o uso do fumo, pode trazer consequências à saúde com comprometimento da qualidade de vida, contudo, um dos longevos afirma não conseguir abandonar o vício; 2 - A vida solitária - amizade com os vizinhos como rede de apoio - a vida solitária manifestada na trajetória individual da longeva, não é vista por ela como fato negativo, mas sim como escolha pessoal; 3 - Novo casamento dos longevos após viuvez - os homens quando perderam suas esposas, casaram-se novamente, diversamente das mulheres que permaneceram viúvas; 4 - Insegurança gerada por moradia em área de risco - a insegurança causada pela presença de traficantes na região se configura como uma forma de violência ao longevo; 5 - O trabalho após a aposentadoria visto como uma necessidade - para manter a família, com pessoas doentes e dependentes, que dispendem maiores recursos financeiros em seus cuidados à saúde; 6 - A atenção à saúde referida como insatisfatória - em relação à demora de encaminhamento à atenção secundária e a falta de medicamentos usualmente distribuídos na Unidade Básica de Saúde; 7 - Alimentação precária por ingesta inadequada de nutrientes - a localização do trabalho distante da residência, não permite ao longevo realizar as refeições em casa, em consequência a alimentação é insatisfatória, pobre em nutriente; 8 - Fatores econômicos como geradores de proteção social - A situação financeira estável resulta em melhores condições de habitação, alimentação, lazer e cuidados com a saúde. Neste processo de análise das categorias surgiram elementos presentes no passado e presente dos longevos, que contribuíram para o desenvolvimento de um modelo teórico: "Construindo a longevidade no curso de vida". A longevidade tem suas raízes no passado, fortemente influenciada pela cultura familiar e curso de vida. Os pressupostos do Envelhecimento Ativo são mais expressivos na trajetória atual dos longevos, na qual se alternam determinantes e condicionantes do Envelhecimento Ativo, não existindo uma totalidade desses fatores presentes nas histórias individuais. As contribuições das histórias de vida remetem à construção e compreensão do processo de longevidade, conhecimento parcial, mas num amplo sentido, não só social, mas biológico, psicológico, econômico, político, cultural e espiritual. O conhecimento das histórias de vida apontou novas possibilidades de intervenção da Enfermagem Gerontológica na Atenção Primária, visando à promoção e prevenção da saúde, fundamentada especialmente no respeito à cultura, presente no curso de vida dos longevos.
This study objectified to interpret life histories of oldest-old users from a Primary Health Care Unit in Curitiba, Parana State/Brazil, grounded on the perspective of Active Aging and Life Course. A qualitative research study with a social, historical focus was held, approaching life histories of twenty oldest-old people. Data collection was carried out by means of narrative interviews at the participants' home. The interviews were recorded and transcribed with the participants' previous consent. The narratives were submitted to the steps of Fritz Schütze's analytical process (2010), a German sociologist: formal text analysis, structural content description, analytical abstraction, knowledge analysis, contrastive comparison (minimum and maximum comparison), and construction of a theoretical model on longevity. Twenty life histories were submitted to the first two steps of the analysis. Proceeding the analytical process, eight life histories, more pertinent to the study purposes, were selected. The analysis of life trajectories resulted in ten categories which presented similarities, and eight were considered dissimilar to the others.

The categories featuring the minimum comparison were:

1 - Work supporting daily life - family members' work was driven by their needs and demands; 2 - Large families and their implications - the large number of children, the socioeconomic situation and the conditions of the production factors did not enable parents to send their kids to school; 3 - The patriarchal family and children's education - family arrangements were ultimately father-centered, severity, children's fear and duties. 4 - Political conflicts witnessed in childhood - The silence culture - accounts of parents' political participation as well as repercussions in their lives; 5 - The use of cultural healing practices as an alternative to health care - more frequently used in childhood - teas, bottled infusions, and the figure of the healer, herbal medication maker, such practices have been perpetuated; 6 - Rural depopulation as an expectation to improve life - it happened in participants' adulthood and features initial difficulties faced in the city; 7 - Losses and coping over lifetime - these events represent moments of anguish, revolt, grief, traces were left, and after overcoming them, they reconstructed their lives and families. 8 - Religiosity and its representation in the oldest-elders' life trajectories - a driving force in their lives, the attachment to religion means beliefs, traditions, values and ways of protection, they expressed their religiosity as unconditional truth; 9 - The current trajectory - a different representation from aging - health care is viewed as priority, they try to eat healthy food and be active. Getting closer to children and grandchildren brings safety and favors mutual help; 10 - Future trajectory and life projects - sound like life continuity and expectations of what they can and long to do in a context of wishes, longings and love declarations to life.

The dissimilar categories from the initial comparison were:

1 - Smoking - habit from adolescence - they understand that smoking hinders their quality of life, however one of the oldest-elder claims that cannot give up the habit; 2 - Lonely life - neighbors' friendship as the support network - the lonely life manifested by an oldest-old woman is not viewed as a negative fact but her personal choice; 3 - New oldest-old marriage after spouses' death - men married again when losing their wives, unlike women who remained widows; 4 - Unsafety generated by living in a hazardous area - unsafety caused by the presence of drug dealers in the area features as a kind of violence for the oldest-old; 5 - Working after retirement viewed as a necessity - to support the family with ill, dependent members, who spend higher financial resources on their health care; 6 - Poor health care - regarding the delay in being referred to secondary health care as well as the scarcity of medication usually distributed by the Primary Health Care Unit; 7 - Precarious food due to inadequate nutrient intake - Work distant from home does not enable the oldest-old people to have their meals at home, consequently food intake is poor and lacks nutrients; 8 - Economic factors generating social protection - A stable financial situation brings about better conditions of housing, food, leisure and health care. In this process, elements from the oldest-old people's past and present emerged, which contributed to the development of a theoretical model: "Building longevity along the course of life." Longevity is rooted in the past, strongly influenced by family culture and course of life. The assumptions of Active Aging are more significant in the oldest-old participants' current trajectory where the determinants and the foundations of Active Aging have alternated, not existing a total amount of these factors in the individual narratives. The contributions of the life histories refer to the construction and understanding of the longevity process; partial knowledge, however, in a broader sense, not only social but also biological, psychological, economical, political, cultural and spiritual. The knowledge of life histories pointed to new interventional possibilities of Geriatric Nursing in Primary Health Care, aiming at health promotion and prevention, founded ultimately on the respect to the culture, present in the oldest-old people's course of life.

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