O corpo feminino invadido: as marcas da violência sexual desveladas pela enfermeira

Publication year: 2015
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade Federal do Paraná to obtain the academic title of Doutor. Leader: Labronici, Liliana Maria

Trata-se de pesquisa fenomenológica, com o objetivo de: Compreender o existir feminino após ter sofrido violência sexual. Foi desenvolvida em um serviço de atendimento especializado em Guarapuava, Paraná, de abril de 2013 a agosto de 2014, com treze mulheres vítimas de violência sexual, mediante entrevista aberta gravada.

Da análise emergiram duas unidades de significação ontológica:

Corpos violentados: ausência de liberdade e autonomia, e Corpos tatuados: as marcas da violência sexual refletidas no espelho. Compreendeu-se que o ato de violência sexual não pode ser pensado como uma intimidade carnal, pois a aproximação dos corpos se desenvolveu a partir de uma relação de poder e dominação, na ótica de um corpo sujeito e outro sujeitado. Ao mesmo tempo em que se percebiam livres, os corpos femininos foram tocados, feridos, transfigurados em objeto da intencionalidade do agressor. Neste ato de sujeição, foram privados da liberdade e dos direitos, tanto na dimensão física, quanto nas de escolhas da vida. O corpo existencial das mulheres revelou-se como o lugar das feridas que penetraram a pele e laceraram a carne, adquirindo uma materialidade concreta, que se fez uma dor imensurável. Esta vivência traumática imprimiu tatuagens visíveis e invisíveis que marcaram a carne, de modo a afetar a percepção de seus corpos, inclusive quando se olhavam no espelho. A imagem especular tornou-se o espaço no qual presente e passado se entrelaçaram, de modo a reavivar as lembranças e dores impressas pela violência. As múltiplas formas de tatuagens visíveis mostram a barbárie humana e revelam que a agressão sexual foi acompanhada pela violência física e psicológica, e revestiu-se de extrema crueldade pela mutilação e laceração da carne, produzindo marcas notadamente profundas que são visíveis ao vidente. Todavia, as corporeidades compreenderam a violência sexual também pelas marcas invisíveis, não diagnosticadas, e que podem ser mais intensas, avassaladoras e duradouras do que os ferimentos físicos. As mulheres, apesar de terem sido machucadas e carregarem as marcas da violência sexual, manifestaram o desejo de transcender o vivido e dar um novo sentido a sua existência. Assim, compreendeu-se que a assistência às corporeidades vítimas de violência sexual requer ações entrelaçadas de cuidado técnico e expressivo, e a enfermeira enquanto corpo cuidador deverá adotar uma postura de abertura, acolhimento e aproximação, para perceber as várias faces da violência sexual, apreender o invisível no visível, e identificar as necessidades dos corpos femininos que poderão guiar o planejamento e a implementação de ações voltadas para o cuidado expressivo, com a intencionalidade de contribuir para a transcendência do vivido dessas mulheres.
It is a phenomenological research, developed in a specialized care service in Guarapuava, Paraná, in order to: Understand the female exist after suffering sexual violence. The acquisition of the experienced occurred from April 2013 to August 2014 through open interviews recorded with thirteen women victims of sexual violence. The speeches were fully transcribed and interpreted in the light of the philosophical reference of Maurice Merleau-Ponty.

From the analysis emerged two units of ontological significance:

abused bodies: lack of freedom and autonomy, and tattooed bodies: the marks of sexual violence reflected in the mirror. It was understood that in the act of sexual violence despite the intertwining of bodies, there is no carnal intimacy because their approach grew out of a relationship of power and domination, from the viewpoint of a subject body and another subjected. While they perceived themselves free, the women's bodies were touched, wounded, transfigured into an object of the aggressor's intention. In this act of submission, female bodies have been deprived of their liberty and their rights, both physically, and in the choice of life. The body of the female victims was revealed as the place of existential wounds that penetrated the skin, lacerated the flesh and acquired a concrete subjective materiality, translated as an immeasurable pain. This traumatic experience printed visible and invisible tattoos that marked the flesh in order to affect the perception of their bodies, even when they looked in the mirror. The mirror image has become the space where past and present are intertwined in order to revive the memories and pains printed by violence. The multiple forms of visible tattoos show the human barbarism, reveal that sexual assault was accompanied by physical and psychological violence, and clothed herself with extreme cruelty by mutilation and laceration of the flesh, producing particularly deep scars visible to the seer. However, corporealities understand violence also by the invisible marks which are undiagnosed, and that may be more intense, overwhelming and lasting than physical injuries. Women, despite being bruised and carry the marks of violence, expressed a desire to transcend the experienced and give new meaning to their existence. In this light, it was realized that the corporealities assistance to victims of sexual violence requires intertwined actions of technical and expressive care and the nurse as caregiver body should adopt welcoming posture, approach and openness, besides the hermeneutic look in order to realize the many faces of sexual violence and seize the invisible in the visible. This attitude of inter-subjective and chiasmal approach will allow the identification of the needs of female bodies, and lead the planning and the implementation of significant care actions, thus contributing to the transcendence of living.

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