Avanços e recuos na implantação da Rede de Atenção Psicossocial no Estado de São Paulo: regiões de saúde e pactuações interfederativas
Advances and setbacks in the implementation of the Psychosocial Care Network in the State of São Paulo: health regions and inter-federative agreements

Publication year: 2020
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade de São Paulo. Faculdade de Saúde Pública to obtain the academic title of Doutor. Leader: Reis, Alberto Olavo Advíncula

O Sistema Único de Saúde (SUS), desde o Pacto pela Saúde, em 2006, passou oficialmente a organizar as ações e serviços de saúde de forma regionalizada, indicar as responsabilidades de cada ente federado e a legitimar ações pactuadas em instâncias colegiadas deliberativas. As regiões de saúde foram constituídas de acordo com a disponibilidade de serviços da atenção básica à média e alta complexidade em uma demarcação geográfica que envolve dado agrupamento de municípios que necessitam desses serviços. A garantia da atenção psicossocial e a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) foi indicada como prioridade e uma das condições para a constituição dessas regiões. Sua função é disponibilizar acesso e organizar ofertas de atendimento às pessoas em sofrimento psíquico, por meio de diferentes modalidades e níveis de complexidade. Na proposta de rede é necessária a elaboração coletiva de um plano de ação regional que deve ser discutido e pactuado em espaços colegiados consultivos e deliberativos de instâncias locais, regionais e estaduais. A partir desses processos, o estudo analisou os avanços e recuos na implantação da RAPS no Estado de São Paulo, em termos das regiões de saúde e das pactuações interfederativas, por meio do Grupo Condutor Estadual (GCE). Trata-se de pesquisa qualitativa, embora tenha realizado levantamento de normativas e dados quantitativos em bases públicas, para subsidiar as discussões da pesquisa.

Foram 3 processos de coleta de dados:

1) Acesso a dados em fontes públicas, normas, portarias e documentos oficiais referentes às políticas públicas de Saúde Mental; 2) Consulta a documentos produzidos no GCE; 3) Entrevistas semiestruturadas com membros do GCE (sobre os dados levantados e ações do grupo). Os dados indicaram que há diferenças entre as regiões do Estado de São Paulo, onde a associação de uma maior ou menor cobertura da Atenção Básica e dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de uma região pode relacionar-se com a frequência das internações em psiquiatria realizadas ou recebidas nessa mesma região. É possível que esse fenômeno esteja ligado a uma lógica de funcionamento mais ou menos medico-centrada e hospitalocêntrica (principalmente em regiões com hospitais psiquiátricos), geralmente associado com uma história regional pregressa. Assim como, por conta dessa história, a RAPS paulista convive com a presença de alguns serviços que não se enquadram aos pontos de atenção previstos e às vezes funcionam apartados de sua dinâmica. Observou-se também que as internações são mais prolongadas nas regiões com hospitais psiquiátricos, com risco de gerar novos moradores nestes serviços. E que no perfil dessas internações há aumento de casos relacionados com o uso prejudicial de álcool e drogas. Essas características, associadas com as mudanças na estrutura dos pontos de atenção da RAPS pela publicação da Portaria 3.588/2017 (reforçada em polêmica nota técnica que versa sobre uma pretensa nova política de saúde mental), incluindo o hospital psiquiátrico como serviço previsto em sua estrutura, podem dificultar o processo de desinstitucionalização em andamento no Estado, fragilizar o modelo da atenção psicossocial e dificultar a continuidade da reforma psiquiátrica. Cabe questionar eticamente sobre as consequências que uma internação a longo prazo acarreta tal como a lógica hospitalocêntrica que coexiste na RAPS. É no trabalho micropolítico da rede que será possível fazer um movimento de crítica e ruptura a esse funcionamento quando se oferece as condições de possibilidade necessárias a essa finalidade, como maior investimento físico e formativo nos serviços. Realizar um acompanhamento mais sistemático das informações das regiões e redes de saúde e oferecer apoio técnico regional nas instâncias colegiadas, como os Grupos Condutores Regionais (GCR) e o GCE e às equipes de saúde, podem ajudar a fortalecer a RAPS. É possível que a autonomia entre os entes federados e a descentralização das políticas sustentem o modelo de atenção psicossocial preconizado pela reforma psiquiátrica e a luta antimanicomial, mesmo que de forma desigual nos territórios, a depender das posições e disputas políticas locais e regionais. Contudo, a pesquisa não desconsidera o impacto que as mudanças nas políticas de saúde mental, efeito de um momento de contrarreforma psiquiátrica, associado as diferenças regionais, as transições de gestores, as pactuações e repactuações nos diferentes níveis de gestão e o próprio cenário atual de crise, acarretam nos avanços e recuos dos processos da RAPS.
The Unified Health System (SUS), since the Pact for Health, in 2006, has officially started to organize health actions and services in a regionalized way, indicating the responsibilities of each federated entity, and legitimizing actions agreed in deliberative collegiate instances. The health regions were constituted according to the availability of primary care services for medium and high complexity, in a geographical demarcation that comprehends a given group of municipalities in need of such services. The guarantee of psychosocial care and the Psychosocial Care Network (RAPS) was indicated as a priority and one of the conditions for the constitution of these regions. The RAPS aim is to provide access and organize provision of such care to people in psychological distress, through different modalities and levels of complexity. For the network proposal, the collective elaboration of a regional plan of action is required; one that should be discussed in and agreed upon by local, regional and state consultative and deliberative boards. Starting from these processes, this study analyzed the advances and setbacks in the implementation of RAPS in the State of São Paulo, regarding health regions and inter-federative agreements, through the State Conductor Group (GCE). Although it is qualitative research, a survey of norms and quantitative data on public bases to support the research discussions, was conducted.

We followed three data collection processes:

1) Access to data from public sources, rules, ordinances and official documents related to public mental health policies; 2) Consultation of documents produced at the GCE; 3) Semi-structured interviews with GCE members (about the data collected and the group's actions). The data indicated that there are differences between the regions of the State of São Paulo, where the association of a more or less extended coverage of Primary Care and Psychosocial Care Centers (CAPS) in a region may be related to the frequency of hospitalizations for psychiatric care made or received in the same region. This phenomenon may also be linked to a logic of operation more or less medic-centered and hospital admission centric (mainly in regions where there are psychiatric hospitals), generally associated with a previous regional history. Likewise, the RAPS in the state of São Paulo, due to this past, coexist with the practice of some services that do not fit the expected points of attention, and sometimes work aside their dynamics. It was also observed that hospitalisations are longer in regions with psychiatric hospitals, risking to create a precedent by accepting new permanent residents in these premises. Furthermore, there is an increase in cases related to chemical dependence. These characteristics, associated with the changes in the structure of the RAPS points of care, effectuated by the publication of Ordinance 3,588 / 2017 (reinforced in a controversial technical note), which includes the psychiatric hospital as centres of service provided for in its structure, may hinder the ongoing de-institutionalization process in the State, weaken the psychosocial care model and obstruct the continuation of the psychiatric reform. One must question the ethics and consequences of long-term hospitalisation; practice adopted by the hospital-centered logic that coexists in RAPS . It is through the network's micropolitical work that it will be possible to make a critical and disruptive movement, by offering the necessary possibilities, such as greater physical investment, and also in the qualification of service. The undertaking of more systematic monitoring of information received from regions and health networks, the offer of regional technical support in collegiate bodies such as the Regional Conductor Group (GCR) and GCE and health teams, should help to strengthen the RAPS. It is possible that the autonomy of the federated entities and the decentralization of policies support the psychosocial care model advocated by the psychiatric reform and the anti-asylum struggle, even if unevenly in the territories, and subject to local and regional political positions and disputes. The research does not disregard, though, the impact that changes in mental health policies has, added by the effect of a moment of psychiatric counter-reform, regional differences, managers' transitions, pacts and renegotiations at different levels of management, and the current scenario of crisis, as key players in the advances and setbacks in RAPS processes.

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