Baricitinibe para tratamento de pacientes adultos com Covid-19 hospitalizados que necessitam de oxigênio por máscara ou cateter nasal, ou que necessitam de alto fluxo de oxigênio ou ventilação não invasiva

Publication year: 2022

INTRODUÇÃO:

O baricitinbe, um imunomodulador que atua sobre a atividade da IL-6 (citocina pró-inflamatória), pode representar uma estratégia para o tratamento de pacientes com COVID-19 que tiveram comprometimento pulmonar devido a resposta hiperinflamátoria desencadeada pela tempestade de citocinas característica na infecção causada pelo vírus SARS-COV2.

TECNOLOGIA:

Baricitinibe (Olumiant®).

EVIDÊNCIAS CLÍNICAS:

Para seleção das evidências clínicas foi conduzida uma revisão sistemática da literatura em busca de ensaios clínicos randomizados (ECR), estudos observacionais (mundo real) e revisões sistemáticas que avaliassem os efeitos do baricitinibe como monoterapia ou associado aos cuidados usuais - definidos aqui como ‘terapia padrão’ (corticoesteróides sistêmicos, anticoagulantes, antimicrobianos/antivirais) no tratamento de pacientes adultos com COVID-19, hospitalizados e que necessitam de suplementação de oxigênio (máscara ou cateter nasal, alto fluxo de oxigênio ou ventilação não invasiva).

As buscas eletrônicas foram realizadas nas bases de dados:

the Cochrane Library, MEDLINE via Pubmed, Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), EMBASE e Centre for Reviews and Dissemination (CRD). O risco de viés dos estudos primários incluídos foi avaliado pelas ferramentas Risk of Bias versão 2 da Cochrane (para ECR) ou ROBINS-I (para estudos observacionais), e a qualidade metodológica das revisões sistemáticas foi avaliada pela ferramenta AMSTAR-2. A qualidade da evidência foi avaliada pelo sistema GRADE. Seis artigos foram incluídos na presente revisão, sendo dois deles referentes a um ensaio clínico randomizado (ECR), um estudo observacional e três revisões sistemáticas com meta-análise (RSMA), sendo uma delas uma meta-análise em rede. O ECR de fase 3, multicêntrico em 12 países e seu estudo exploratório (n=1.626) (NCT04421027 COV-BARRIER) comparou o uso de baricitinibe associado à terapia padrão versus terapia padrão (corticoesteroides sistêmicos, dexametasona ou antivirais isolados ou combinados,sempre que necessário; todos os pacientes receberam anticoagulante como profilaxia). O estudo observacional conduzido no México (n=197) comparou a associação do baricitinibe mais dexametasona versus dexametasona em monoterapia. Duas das RSMA sintetizaram evidências do uso de diferentes terapias para manejo da COVID-19 (incluindo baricitinibe), enquanto uma delas teve como foco o bariticinibe (em monoterapia ou combinado). Em todas as RSMA, o único estudo primário incluído e pertinente a este parecer foi o ECR COV-BARRIER. O desfecho primário deste ECR foi progressão em 28 dias (desfecho composto incluindo: proporção de pacientes que progrediu para um alto fluxo de oxigênio, ventilação não invasiva, ventilação mecânica invasiva ou morte), em que não se observou diferenças estatisticamente significativas entre os grupos tratados com baricitinibe + terapia padrão versusterapia padrão tanto para a população 1 - total de pacientes randomizados (OR 0,85 [IC 95% 0,67-1,08]; p=0,18), quanto na população 2 - pacientes mais críticos com necessidade de suplementação com oxigênio (OR 1,12 [IC 95% 0,58-2,16]; p=0,73). Por outro lado, foi demonstrada uma redução significativa nas taxas de mortalidade por qualquer causa (desfecho secundário) nos pacientes do grupo baricitinibe + terapia padrão comparado àqueles que receberam apenas terapia padrão após 28 dias: 62/764 (8,1%) vs. 100/761 (13,1%), com um HR 0,57 [IC 95% 0,41-0,78]; p=0,0018. Resultados similares foram reportados no estudo exploratório do COV-BARRIER em uma coorte de pacientes hospitalizados em estado crítico (com necessidade de ventilação ou oxigenação invasiva) que não haviam sido avaliadas no estudo pivotal (HR 0,54 [IC 95% 0,31-0,96]; p=0,030). Esses resultados mantiveram-se estatisticamente significativos, em favor do uso do baricitinibe, após 60 dias, tanto na coorte original (p=0,0050) quanto no estudo exploratório (p=0,027). O desfecho secundário de probabilidade de melhora clínica em 14 dias se apresentou significativamente favorável ao uso de baricitinibe + terapia padrão versus a terapia padrão (OR 1,28 [IC 95% 1,05-1,56]; p=0,017) no estudo COV-BARRIER (coorte original); entretanto, esse resultado não foi significativo para a coorte de pacientes em estado crítico do estudo exploratório (OR 1,97 [IC 95% 0,94-4,09]; p=0,068).

Não foram encontradas diferenças entre grupos de tratamento para os desfechos:

dias sem ventilação, duração da hospitalização, tempo de recuperação, eventos adversos emergentes, descontinuação por eventos adversos. No estudo observacional, a associação baricitinibe + dexametasona levou a uma redução na taxa de mortalidade em 30 dias quando comparada a dexametasona isolada (HRa 0,50 [IC 95% 0,32-0,78]; p<0,01; NNT 4,94), porém também a um aumento na progressão para oxigênio de alto fluxo (21,1% vs. 6,7%, respectivamente; p<0,01). Não foram encontradas diferenças significativas entre grupos para progressão para ventilação mecânica invasiva (p=0,94). A média da duração da internação foi significativamente maior com baricitinibe + dexametasona versus dexametasona: 8 dias vs. 6 dias; p=0,01. Não foram encontrados estudos com reporte sobre qualidade de vida. O risco de viés dos estudos primários foi considerado moderado e as revisões sistemáticas foram consideradas com qualidade variando de baixa a moderada. Somente os desfechos de mortalidade para a comparação baricitinibe + terapia padrão versus terapia padrão foram julgados como de alta confiabilidade no GRADE. Os desfechos de segurança e probabilidade de melhora clínica apresentaram confiança moderada; a evidência proveniente dos demais desfechos teve uma baixa confiabilidade devido, em especial, a imprecisão dos dados. Todos os desfechos da comparação baricitinibe + dexametasona versus dexametasona foram classificados como de confiabilidade muito baixa.

AVALIAÇÃO ECONÔMICA:

Nas avaliações de custo-efetividade e custo-utilidade, foi considerado preço de R$ 27,22 por comprimido (tratamento hospitalar estimado em R$ 381,08 para 14 dias), equivalente ao preço atualmente praticado para baricitinibe para o tratamento de artrite reumatoide junto ao Ministério da Saúde. Outros custos considerados tanto para intervenção, quanto para comparador (terapia padrão sem medicamento específico para Covid-19) foram correspondentes à ventilação mecânica (R$ 4706,12), ventilação não invasiva (R$ 4706,12), oxigênio suplementar (R$ 1066,12) e assistência médica sem oxigênio (R$ 1066,12). Para o modelo de custo-efetividade, custos totais e total de anos de vida foram estimados a partir dos desfechos de mortalidade do estudo COV-BARRIER; para o modelo de custoutilidade, adicionalmente, valores de utilidade de população com influenza não brasileira foram considerados. Assim, foi identificado que mediante investimento de R$ 376 por paciente, baricitinibe + terapia padrão promovem 0,20 ano de vida ajustado pela qualidade incremental e 0,24 ano de vida incremental na comparação com terapia padrão. Dessa forma, a razão de custo-efetividade incremental (RCEI) foi estimada em R$ 1909 para cada QALY ganho e R$ 1577 para cada ano de vida ganho com baricitinibe + terapia padrão. Em análises de incerteza apresentadas pelo demandante, foi identificado que a RCEI para QALY incremental pode variar de dominância (baricitinibe + terapia padrão tem menor custo e maior efetividade que terapia padrão) até uma RCEI de R$ 24283.

ANÁLISE DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO:

Na análise de impacto orçamentário, a população elegível foi obtida a partir de projeção de hospitalizações (2022 – 2026) que considera a suposição de que a pandemia terá mesmo padrão decrescente de hospitalizações observado até outubro de 2021 (demanda aferida obtida a partir do banco de dados de síndrome respiratória aguda grave do DATASUS). Além disso, foi considerado que a participação no mercado de baricitinibe + terapia padrão será de 15% em 2022, chegando a 75% em 2026. Dessa forma, foi estimada população elegível de 23.074, 1.478, 95, 95 e 95 pacientes para 2022 a 2026, sendo que ao longo dos cinco anos 3.462 pacientes utilizariam baricitinibe + terapia padrão segundo estimativa de participação de mercado definida pelo demandante. Ainda, considerando os mesmos preços e custos apresentados na avaliação econômica, o cenário atual (sem baricitinibe + terapia padrão) foi de R$ 1.076.865.768 e o cenário proposto (com baricitinibe + terapia padrão) de R$ 1.078.397.938, resultando em um impacto orçamentário incremental acumulado em 5 anos estimado em R$ 1.532.171. Em análises de incerteza apresentadas pelo demandante, o impacto orçamentário pode variar de economia (- R$ 29.689.881), tendo em vista redução de progressão da doença e redução da duração da internação hospitalar, a um incremento (+ R$ 1.528.096).

MONITORAMENTO DO HORIZONTE TECNOLÓGICO:

Realizou-se busca estruturada no campo de pesquisa da base de dados Cortellis™, a busca foi realizada em fevereiro de 2022, utilizando-se a seguinte estratégia: “Current Development Status (Indication (Coronavirus disease 19 infection) Status (Launched or Registered or Pre-registration))”. Essa busca foi complementada pela verificação das listas de medicamentos em avaliação e/ou autorizados para comercialização ou uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), European Medicines Agency (EMA), U.S. Food and Drug Administration (FDA) e Health Canada (HC). Diante do caráter dinâmico de desenvolvimento de tecnologias em saúde no contexto pandêmico da COVID-19, foram considerados para inclusão nesta seção apenas medicamentos em fase de pré-registro, registrados, lançados ou com autorização de uso emergencial para a indicação em questão nas agências consideradas. Além disso, todas as tecnologias deveriam ter estudos clínicos de fase 2/3 ou superior, registrados no ClinicalTrials, para avaliação da eficácia e segurança no tratamento da indicação em questão. Assim, no horizonte considerado nesta análise, detectou-se uma tecnologia para compor o esquema terapêutico da COVID-19 em adultos hospitalizados e que necessitam de oxigênio por máscara ou cateter nasal, ou que necessitam de alto fluxo de oxigênio ou ventilação não invasiva.

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

A evidência clínica oriunda de um único estudo de fase III e sua análise exploratória, juntamente com a evidência obtida em um estudo observacional, mostrou superioridade do uso de baricitinibe (combinado à terapia padrão ou dexametasona) versus comparador (terapia padrão ou dexametasona monoterapia) para o desfecho de mortalidade em pacientes hospitalizados com COVID-19, tanto na coorte geral de pacientes quanto naqueles em estado mais crítico. Entretanto, não foram observadas diferenças entre tratamentos para outros desfechos, incluindo progressão da doença (desfecho primário), dias sem ventilação e tempo de recuperação. A incidência de eventos adversos relacionados ao tratamento e descontinuação da terapia devido à eventos adversos foram similares entre grupos. Desta forma, a evidência indica que baricitinibe é eficaz na redução da mortalidade e seguro para tratamento de pacientes adultos com COVID-19 hospitalizados que necessitam de oxigênio ou ventilação. Entretanto, como limitações, algumas preocupações metodológicas foram notadas no ECR com relação a mensuração e reporte de desfechos, em especial para o desfecho primário composto de progressão; há potencial viés na interpretação dos dados pela falta de clareza do impacto da intervenção na ocorrência de um ou mais componentes do desfecho. No estudo observacional, vieses referentes a diferenças basais entre os grupos de tratamento e ausência da avaliação de fatores de confundimento não devem ser ignorados, uma vez que reduzem significativamente a confiabilidade na evidência. Adicionalmente, deve-se considerar que a elevada heterogeneidade intrínseca ao acometimento e curso da COVID-19 na população adulta (diferentes sinais/sintomas, muitas vezes subjetivos, e níveis de progressão da doença associado, entre outros fatores, as novas variantes), com aparecimento de quadros de hospitalização variando de leves a críticos, tem impacto direto nos resultados clínicos obtidos pelos tratamentos. Desta forma, a generalização dos resultados deve ser ponderada para cada cenário. Avaliação econômica conduzida pelo demandante indica que R$ 1909 e R$ 1577 precisam ser investidos com baricitinibe + terapia padrão para ganho de, respectivamente, de 1 QALY e 1 ano de vida na comparação com terapia padrão, ou seja, os parâmetros de custo-efetividade identificados ainda que não sugiram economia com baricitinibe + terapia padrão, sugerem uso mais eficiente de recursos do que o contexto sem a intervenção. Em nossa análise crítica, destacamos que é importante considerar que se a incorporação for recomendada e aprovada, mas com compras descentralizadas e sem condicionante de preço, o preço de compra pode ser, aproximadamente, cinco vezes maior do que o apresentado nesta análise, de forma que as RCEI poderão ser de R$ 11045 e R$ 9124 para ganho de, respectivamente, de 1 QALY e 1 ano de vida na comparação com terapia padrão. O impacto orçamentário estimado pelo demandante seria da ordem de R$ 1,5 milhões para tratamento de 3.462 pacientes ao longo de 5 anos. Em nossa análise crítica, destacamos que é importante considerar que há substancial incerteza na projeção de hospitalizações por COVID19 (2022-2026), tendo em vista as incertezas relacionadas à hesitação vacinal para esquema completo ou dose de reforço, duração da imunização promovida por vacinas, duração da imunização promovida por infecções por COVID-19 anteriores, resposta das vacinas a novas variantes da COVID-19, entre outros. Aliado a isso, assumir uma participação de mercado conservadora de que no primeiro ano do modelo (2022) apenas 15% da população elegível utilizará baricitinibe + terapia padrão pode subestimar substancialmente o real impacto orçamentário. Reconhecemos que uma vez incorporado, não é possível que 100% da população elegível tenha acesso a baricitinibe, uma vez que o ano de 2022 já está em curso e devido ao tempo necessário para avaliação de demanda, compra e distribuição da tecnologia. Assim, entendemos que seria recomendável a apresentação de análise em que 30% da população elegível utilizaria baricitinibe no primeiro ano, com incrementos de 20% ao ano e estabilização em 70%. Nessa proposta de participação de mercado e considerando os mesmos valores para demais parâmetros do modelo, o impacto orçamentário incremental com a intervenção seria de R$ 2.955.370, ou seja, cerca de duas vezes o estimado pelo demandante.

RECOMENDAÇÃO PRELIMINAR DA CONITEC:

O Plenário da Conitec, em sua 106ª Reunião Ordinária, realizada no dia 10 de março de 2022, deliberou por maioria simples que a matéria fosse disponibilizada em consulta pública com recomendação preliminar favorável à incorporação do baricitinibe para a indicação avaliada. Para essa recomendação, a Conitec considerou entre os argumentos favoráveis à incorporação que: i) em desfecho secundário duro e previsto no desenho do estudo foi identificado que baricitinibe evita mortes em relação ao seu comparador; ii) avaliações econômicas e análise de impacto orçamentário sugerem que mesmo ao considerar incertezas relacionadas à eficácia e preço, a tecnologia tem potencial de ser sustentável para o SUS; iii) não há opções disponíveis na Relação Nacional de Medicamentos Essenciais para tratamento hospitalar específico da COVID-19.

Também foi considerado entre os argumentos desfavoráveis à incorporação que:

i) no desfecho principal composto não foi identificada diferença estatística entre baricitinibe e o comparador; e ii) a principal evidência disponível recrutou pacientes em 2020, portanto, com perfil clínico diferente dos pacientes que atualmente são hospitalizados pela COVID-19 no tocante a diferenças de variante e status vacinal.

CONSULTA PÚBLICA:

A consulta pública nº 07/2022 ficou vigente no período entre 15/03/2022 e 24/03/2022. Foram recebidas 116 contribuições, sendo 16 pelo formulário para contribuições técnico-científicas e 100 pelo formulário para contribuições experiência de pacientes, familiares, amigos ou cuidadores de pacientes, profissionais de saúde ou pessoas interessadas no tema. Entre as contribuições no formulário de experiência, destacam-se as experiências de familiares de pacientes que perceberam uma melhora no quadro clínico após o início do tratamento com baricitinibe.

RECOMENDAÇÃO FINAL DA CONITEC:

Diante do exposto, os membros presentes do Plenário da Conitec, em sua 8ª Reunião Extraordinária, realizada no dia 30 de março de 2022, deliberaram por maioria simples recomendar a incorporação do baricitinibe no SUS para tratamento de adultos com Covid-19 hospitalizados que necessitam de oxigênio por máscara ou cateter nasal, ou que necessitam de alto fluxo de oxigênio ou ventilação não invasiva. Para essa recomendação, a Conitec considerou que a consulta pública não trouxe elementos suficientes para mudança da recomendação preliminar. Foi assinado o Registro de Deliberação nº 719/2022.

DECISÃO:

Incorporar o baricitinibe para tratamento de pacientes adultos com Covid19 hospitalizados que necessitam de oxigênio por máscara ou cateter nasal, ou que necessitam de alto fluxo de oxigênio ou ventilação não invasiva, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS, conforme a Portaria nº 34, publicada no Diário Oficial da União nº 63, seção 1, página 331, em 1 de abril de 2022.

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