Publication year: 2022
INTRODUÇÃO:
A Fibrose Cística é uma doença grave e rara, que comete vários sistemas orgânicos com repercussão direta na qualidade de vida de pacientes e familiares, bem como reduz significativamente a sobrevida dos portadores da enfermidade. Tezacaftor-ivacaftor têm mecanismos de ação complementares. Tezacaftor facilita o processamento celular e o tráfico de formas normais e mutantes de CFTR, para aumentar a quantidade de proteína CFTR madura enviada à superfície celular. O ivacaftor é um potencializador da proteína CFTR que aumenta a probabilidade de abertura do canal na superfície da célula para melhorar o transporte de cloreto. Para a atividade adequada de ivacaftor, a proteína CFTR deve estar presente na superfície da célula. O ivacaftor pode aumentar a quantidade de proteína CFTR na superfície da célula levada pelo tezacaftor, levando a um aumento adicional do transporte de cloreto, quando comparado a qualquer substância ativa sozinha. O efeito combinado do tezacaftor e do ivacaftor é o aumento da quantidade e função da proteína CFTR na superfície celular, resultando no aumento do transporte de cloreto. PERGUNTA:
Tezacaftor-ivacaftor é eficaz,seguro e custo-efetivo no tratamento de FC homozigótica para a mutação F508del ou heterozigótica para essa mutação e com uma outra mutação no gene CFTR responsivo ao tezacaftor-ivacaftor em pacientes com 12 anos de idade ou mais, quando comparado à terapia de suporte atualmente disponível no SUS? TECNOLOGIA: Tezacaftor-ivacaftor (Symdeko®). EVIDÊNCIAS CLÍNICAS:
Dois ECR duplo cegos (EVOLVE e EXPAND) forneceram evidências sobre a eficácia e segurança do tezacaftor-ivacaftor em pacientes com FC com idade ≥ 12 anos que tenham duas cópias da mutação F508del, ou que tenham uma cópia da mutação F508del e pelo menos uma das seguintes mutações no gene da FC: P67L, D110H, R117C, L206W, R352Q, A455E, D579G, 711+3A→G, S945L, S977F, R1070W, D1152H, 2789+5G→A, 3272-26A→G, e 3849+10kbC→T. Tezacaftor-ivacaftor proporcionou melhora no escore do domínio respiratório do CFQ-R até a semana 24 de 5,1 pontos (IC95%: 3,2-7,0) e a alteração média da linha de base do estudo para a média da semana 4 e semana 8 foi de 11,1 (IC95%: 8,7-13,6; p <0,001) pontos. Houve melhora na função respiratória no estudo EVOLVE comparado ao placebo (diferença média de quadrados mínimos ao longo de 24 semanas de 4,0 pontos percentuais; IC 95%, 3,1-4,8; p<0,001) e no estudo EXPAND, a diferença média dos mínimos quadrados desde o início do estudo até a semana 4 e semana 8 foi de 6,8 (IC95%: 5,7-7,8) pontos percentuais (p <0,001) versus ivacaftor. Tezacaftor-ivacaftor também proporcionou 35% menos risco de ocorrência de exacerbações pulmonares no estudo EVOLVE com RR = 0,65 (IC 95%: 0,48-0,88; p=0,005) e de 46% menos risco no estudo EXPAND com RR = 0,54 (IC 95%: 0,26-1,13; p=0,10). Em relação ao estado nutricional avaliado por meio do IMC, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas. A concentração de cloreto no suor foi reduzida em 10,1 mmol/L no estudo EVOLVE (IC95%; -11,4 a -8,8) e em comparação com aqueles que receberam placebo: tezacaftor-ivacaftor, -9,5 mmol/L (IC95%: -11,7, -7,3; p<0,001) e versus ivacaftor foi de -5,1 mmol (IC95%: -7,0 a -3,1; p<0,001) no estudo EXPAND. Não foram identificados óbitos nos estudos e a frequência de eventos adversos foi menor nos pacientes do grupo tezacaftorivacaftor comparado a ivacaftor isolado ou placebo. A qualidade da evidência foi considerada moderada para todos os desfechos avaliados de acordo com a ferramenta GRADE. AVALIAÇÃO ECONÔMICA:
O demandante apresentou um modelo de microssimulação para avaliar a razão de custoefetividade incremental (RCEI) com o uso, durante toda a vida, de tezacaftor-ivacaftor em combinação ao tratamento padrão para pacientes com FC com idade ≥12 anos homozigotos para a mutação F508del do gene CFTR (F/F) ou heterozigotos para a mutação F508del e uma segunda mutação associada à atividade residual de CFTR (F/RF), em comparação com o tratamento padrão isolado no SUS. Observou-se que tezacaftor-ivacaftor resultou em 7,87 anos de vida (AV) adicionais não descontados e 2,055 QALY incrementais descontados, culminando em uma RCEI de R$ 1.549.120,03/AV ganho e de R$ 1.580.752,23/QALY adicional. Destaca-se que os valores empregados podem ter sido subestimados por terem considerado a isenção de impostos, portanto, a RCEI pode ser superior, variando de 18% (somente ICMS) até 32,3% (incidência de todos os tributos). Além disso, em diferentes cenários com a variação de parâmetros, como descontos e componentes de custo, a RCEI da população total (ponderada) variou de R$ 551.274,00 a R$ 1.745.304,41. Nas análises de sensibilidade determinística univariada, os parâmetros que mais afetaram a RCEI foram a redução do declínio de ppVEF1, a adesão ao tratamento após o período de acompanhamento dos ensaios clínicos e aos valores de utilidade por gravidade da doença. A partir do diagrama de custo-efetividade da análise de sensibilidade probabilística, observou-se que tezacaftor-ivacaftor é consistentemente mais eficaz e mais caro em comparação com o tratamento padrão isoladamente. ANÁLISE DE IMPACTO ORÇAMENTÁRIO:
Para se estimar a população elegível ao tezacaftor-ivacaftor no modelo de impacto orçamentário, foram utilizados dados do DATASUS com os CIDs de FC e os percentuais advindos de dados epidemiológicos no Brasil, considerado a genotipagem e a prevalência das mutações com indicação para o medicamento. Assim, estimouse que a incorporação de tezacaftor-ivacaftor no SUS resultará em um impacto orçamentário incremental acumulado de R$ 592.270.679,72 em cinco anos. Entretanto, destaca-se que os valores podem estar subestimados por ter sido considerada a isenção de impostos, portanto, um acrescimento de 18% a 32,3% pode fazer com que o impacto incremental varie de R$ 698.879.402,07 a R$ 783.574.109,27, no acumulado de cinco anos. MONITORAMENTO DO HORIZONTE TECNOLÓGICO:
Foram encontrados os medicamentos elexacaftor (em combinação com tezacaftor e ivacaftor) e VX-121 (em combinação com tezacaftor e deutivacaftor), ambos moduladores de CFTR, sendo que a associação elexacaftor + tezacaftor + ivacaftor apresenta-se sem registro na ANVISA, constando registro na agência europeia (EMA) datada de 2020 e na agência norte americana (FDA) em 2019. Em setembro de 2020, esta tecnologia foi avaliada na agência canadense CADTH, recebendo recomendação favorável mediante atendimento de condições específicas. Para a associação de VX-121 + tezacaftor + deutivacaftor, não há ainda registros em nenhuma das três agências referidas e o estudo clínico ainda está em fase de recrutamento. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
As evidências selecionadas, consideradas de qualidade moderada, demonstraram respostas superiores com o uso da associação tezacaftor-ivacaftor, quando comparada a placebo ou ivacaftor isoladamente, em todos os desfechos avaliados, à exceção no ganho de IMC. A análise de custo-efetividade realizada demonstrou uma RCEI de R$ 1.549.120,03/AV ganho e de R$ 1.580.752,23/QALY adicional, variando a depender dos parâmetros considerados. Já o impacto orçamentário incremental, foi estimado em R$ 592.270.679,72, no acumulado de cinco anos, podendo variar entre R$ 698.879.402,07 e R$ 783.574.109,27 em cinco anos, quando considerada a incidência de impostos. PERSPECTIVA DO PACIENTE:
A chamada pública de número 49/2021 para participar da Perspectiva do Paciente foi aberta de 13/08/2021 a 27/08/2021 e nove pessoas se inscreveram. A indicação dos representantes titular e suplente para fazer o relato da experiência foi feita a partir de definição consensual por parte do grupo de inscritos. No relato, a participante descreveu como o uso do medicamento afetou positivamente sua qualidade de vida ao promover redução significativa da dificuldade de respirar, do cansaço, da produção de secreção e de manifestações intestinais. RECOMENDAÇÃO PRELIMINAR DA CONITEC:
Diante do exposto, o Plenário da Conitec, em sua 105ª Reunião Ordinária, no dia 09 de fevereiro de 2022, deliberou que a matéria fosse disponibilizada em Consulta Pública com recomendação preliminar desfavorável à incorporação no SUS de tezacaftor-ivacaftor no tratamento de pacientes com fibrose cística (FC) com 12 anos de idade ou mais que tenham duas cópias da mutação F508del, ou que tenham uma cópia da mutação F508del e pelo menos uma das seguintes mutações no gene da FC: P67L, D110H, R117C, L206W, R352Q, A455E, D579G, 711+3A→G, S945L, S977F, R1070W, D1152H, 2789+5G→A, 3272-26A→G, e 3849+10kbC→T, foi considerada que há fragilidade na evidência científica apresentada e elevado impacto orçamentário. A matéria foi disponibilizada em consulta pública. CONSULTA PÚBLICA:
Entre 16/03/2022 e 04/04/2022, foram recebidas 1.880 contribuições, sendo 191 técnico-científicas e 1.689 sobre experiência ou opinião. Das 191 contribuições técnico-científicas recebidas, 190 discordaram da recomendação preliminar da Conitec e uma contribuição não opinou. A demandante, Vertex Farmacêutica do Brasil Ltda, apresentou uma nova proposta de preço da tecnologia, de R$ 35.910,15 (embalagem com 56 comprimidos), enquanto o preço inicial proposto foi R$ 47.501,47 (embalagem com 56 comprimidos). Considerando-se a projeção da população de 2022 a 2026 e o novo preço proposto, obteve-se um novo impacto orçamentário incremental em cinco anos de R$ 384.683.979,48, proporcionando uma redução de R$ 207.586.700,24 em cinco anos (‐35,05%). Quanto às contribuições sobre experiência ou opinião, 99% discordaram da recomendação preliminar da Conitec. Os principais argumentos utilizados a favor da tecnologia foram:
melhora da qualidade de vida do paciente e da família; falta de acesso ao medicamento, devido ao alto custo e/ou ao fato de não estar disponível no SUS; aumento da expectativa de vida; e pausa na progressão da doença. Além disso, comentou-se que as tecnologias disponíveis no SUS não param a progressão da doença e que o tratamento toma muito tempo diário, inviabilizando a execução de atividades cotidianas. Entretanto, o Plenário da Conitec entendeu que não houve argumentação suficiente para mudança de entendimento acerca de sua recomendação preliminar. RECOMENDAÇÃO FINAL DA CONITEC:
Pelo exposto, o Plenário da Conitec, em sua 108ª Reunião Ordinária, no dia 05 de maio de 2022, deliberou por unanimidade recomendar a não incorporação do tezacaftor-ivacaftor no tratamento de pacientes com fibrose cística (FC) com 12 anos de idade ou mais que tenham duas cópias da mutação F508del, ou que tenham uma cópia da mutação F508del e pelo menos uma das seguintes mutações no gene da FC: P67L, D110H, R117C, L206W, R352Q, A455E, D579G, 711+3A→G, S945L, S977F, R1070W, D1152H, 2789+5G→A, 3272-26A→G, e 3849+10kbC→T. Considerouse a fragilidade na evidência científica apresentada e o elevado impacto orçamentário, além da ausência de contribuições da Consulta Pública que pudessem modificar a recomendação preliminar. Por fim, foi assinado o Registro de Deliberação nº 725/2022. DECISÃO:
Não incorporar o tezacaftor-ivacaftor para o tratamento de pacientes com fibrose cística (FC) com 12 anos de idade ou mais que tenham duas cópias da mutação F508del, ou que tenham uma cópia da mutação F508del e pelo menos uma das seguintes mutações no gene da FC: P67L, D110H, R117C, L206W, R352Q, A455E, D579G, 711+3AG, S945L, S977F, R1070W, D1152H, 2789+5GA, 3272-26ªG, e 3849+10kbCT, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS conforme a Portaria nº 50, publicada no Diário Oficial da União nº 103, seção 1, página 471, em 1 de junho de 2022.