Politização do útero: entre tecnologias e representações de gênero nas campanhas preventivas de HPV e câncer de colo do útero desenvolvidas pelo Ministério da Saúde de 2014 a 2020
Publication year: 2022
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade do Estado do Rio de Janeiro to obtain the academic title of Mestre. Leader: Azize, Rogerio Lopes
Neste trabalho analisamos as campanhas preventivas de papilomavírus humano (HPV) e câncer no colo do útero (CCU) desenvolvidas pelo Instituto Nacional de Câncer / Ministério da Saúde, de 2014 a 2020. À luz de um olhar socioantropológico, nosso objetivo principal é compreender como estas campanhas acionam representações de gênero, e, enquanto tecnologias de saúde, como co-constroem sentidos e usuários. As campanhas evidenciam uma certa politização do útero que mantém um excessivo escrutínio do corpo feminino, através da medicalização e do monitoramento da saúde sexual e reprodutiva das mulheres. Entre as controvérsias, deslocamentos e continuidades que atravessam a discussão, as campanhas preventivas apontam para uma materialidade que não apenas faz, mas também deixa de fazer – promovendo silenciamentos e ausências. Assim, acreditamos que os elementos gráficos dessas campanhas nos permitem compreender alguns aspectos importantes do lugar do útero nas políticas públicas em saúde. Em adição, apresentamos algumas campanhas privadas e não governamentais, como contraponto à análise. Criamos sete categorias de análise (“Geracionalidade do cuidado”, “Escolarização”, “Infância e Juventude”, “Gamificação”, “Risco à saúde”, “Saúde do Homem” e “Neutralidade”) que nos permitiram discutir e realizar costuras entre as temáticas que surgiam nas peças gráficas. Ainda que o Brasil, historicamente, seja considerado um país que possui uma cultura robusta de imunização, a adesão à vacina do HPV ainda é considerada baixa. Devido a isso, tanto a vacinação contra HPV quanto o acometimento de CCU são apresentados enquanto “alarmantes problemas de saúde”. As especificidades do contexto brasileiro, de certo modo, embaralham noções de risco e cuidado, proteção e submissão, autonomia e negacionismo. As peças gráficas analisadas iluminam um universo simbólico em relação ao tema e a peculiaridade da biografia da vacina de HPV, atravessando questões como o aumento do público alvo das vacinas, a recente ampliação da vacina para homens, a baixa adesão na segunda e terceira dose, a desconfiança familiar, as influências anti-vacinistas, moralidades em torno de gênero e sexualidades, etc. As campanhas contextualizadas com a história da vacina no Brasil, o atual modo de gestão e os atores em cena engendram um fenômeno que merece atenção pelos estudos das ciências humanas em saúde. Portanto, nos debruçamos justamente na tentativa de seguir parte da trajetória que as campanhas vacinais de HPV e preventivas de CCU têm traçado no Brasil, principalmente através das articulações estabelecidas entre gênero e saúde, partindo de uma perspectiva que encara ciência e cultura como indissociáveis
In this paper we analyze the preventive campaigns of human papillomavirus (HPV) and cervical cancer (CC) developed by the National Cancer Institute / Ministry of Health, from 2014 to 2020. In the light of a socioanthropological view, our main objective is to understand how these campaigns trigger gender representations, and, as health technologies, how to co-construct meanings and users. The campaigns highlight a certain politicization of the uterus that maintains excessive scrutiny of the female body, through medicalization and monitoring of the sexual and reproductive health of women. Among the controversies, displacements and continuities that cross the discussion, preventive campaigns point to a materiality that not only does, but also ceases to do – promoting silences and absences. Thus, we believe that the graphic elements of these campaigns allow us to understand some important aspects of the place of the uterus in public health policies. In addition, we present some private and non-governmental campaigns, as a counterpoint to the analysis. We created seven categories of analysis ("Generationality of care", "Schooling", "Childhood and Youth", "Gamification", "Risk to Health", "Men's Health" and "Neutrality") that allowed us to discuss and make seams between the themes that emerged in the layouts. Although Brazil has historically been considered a country with a robust immunization culture, HPV vaccine adhering is still considered low. Because of this, both HPV vaccination and CC involvement are presented as "alarming health problems". The specificities of the Brazilian context, in a way, scramble the senses of risk and care, protection and submission, autonomy and denialism. The graphic pieces analyzed illuminate a symbolic universe in relation to the theme and the peculiarity of the biography of the HPV vaccine, going through issues such as the increase in the target audience of vaccines, the recent expansion of the vaccine for men, the low adoption in the second and third dose, family distrust, anti-vacinist influences, morality around gender and sexualities, and so on. The campaigns contextualized with the history of the vaccine in Brazil, the current mode of management and the actors on the scene engender a phenomenon that deserves attention for the studies of the human sciences in health. Therefore, we focus precisely on the attempt to follow part of the trajectory that HPV vaccine and CC preventive campaigns have mapped in Brazil, mainly through the articulations established between gender and health, starting from a perspective that sees science and culture as inseparable