Frutose e risco cardiometabólico em indivíduos com preservação da cultura germânica: estudo SHIP-BRASIL
Fructose and cardiometabolic risk of individuals with preservation of the Germanic culture: SHIP-BRAZIL study
Publication year: 2022
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade de São Paulo. Faculdade de Saúde Pública to obtain the academic title of Mestre. Leader: Damasceno, Nágila Raquel Teixeira
Nas últimas décadas, países, como o Brasil, têm apresentado uma curva ascendente na incidência de doenças cardiovasculares (DCV), representando cerca de 30% das mortes totais e 72% da mortalidade por DCNT no Brasil. O atual padrão alimentar brasileiro é caracterizado pelo elevado consumo de alimentos industrializados, com alta densidade calórica e rico em açúcares de adição, onde se destaca o elevado consumo de sacarose e, consequentemente, de glicose e frutose. Ao contrário da frutose encontrada naturalmente em frutas e vegetais, o consumo excessivo exerce múltiplos efeitos negativos à saúde, destacando-se as dislipidemias, hiperuricemia e resistência à insulina e, possivelmente, o RCV. Poucos estudos têm avaliado a interação entre o consumo de frutose e aspectos culturais específicos. O objetivo deste estudo foi avaliar o papel da frutose no risco cardiovascular em descendentes alemães que mantêm a cultura germânica preservada. Trata-se de um estudo com dados primários do momento basal da Coorte "Vida e Saúde em Pomerode (SHIP-BRAZIL)" baseado na avaliação direta de dados socioeconômicos, culturais, clínicos e dietéticos (Questionário de frequência alimentar). Com base na avaliação fenotípica (etnia autodeclarada) e comportamentos sociais (falar alemão em casa, frequentar associação comunitária/cultural e relatar esforços para manter os hábitos alemães no Brasil por meio das vestimentas, músicas e culinária), os indivíduos foram classificados em grupos Germânico e Não germânico. A partir do sangue coletado foram analisados o perfil lipídico (Colesterol total - CT, HDL-c, LDL-c, VLDL, Não-HDL, triglicerídeos - TG), Índice de Castelli I (ICI), Índice de Castelli II (ICII), enzimas hepáticas (gama-glutamiltransferase - GGT, aspartato aminotransferase - AST e alanina minotransferase - ALT), glicose e frutose plasmática. Todos os testes estatísticos foram analisados no programa Statistical Package for the Social Siences® (SPSS) versão 20.0, sendo o nível de significância de p<0,05. Da amostra investigada (n=597), 68,3% pertençam ao grupo Germânico, onde o sexo feminino foi o mais frequente em ambos os grupos (Germânicos= 56,7%; Não germânicos= 57,5%, p=0,892), e predominantemente adultos entre 30 e 60 anos. Em relação às doenças autorrelatadas, o grupo Germânico apresentou maior prevalência de HAS (41,9% versus 24,7%; p<0,001) que o grupo Não germânico, sendo confirmado pela maior frequência no uso de medicamentos anti-HAS (35,1% versus 21,7%; p=0,002) e pela maior pressão arterial sistólica observada (126 mmHg versus 121 mmHg; p<0,001) e valores superiores no sexo masculino. Os homens do grupo Germânico apresentaram valores superiores de peso, IMC e CC quando comparados às mulheres e ao grupo Não germânico. Perfil oposto foi observado para o percentual de MG que foi superior no grupo feminino. A classificação dos parâmetros antropométricos confirmou que o grupo Germânico teve maior risco de complicações cardiovasculares associado à elevada CC (72% versus 53%. p<0,001). Embora os grupos Germânico e Não germânico tenham apresentado perfil lipídico e enzimas hepáticas semelhantes, os indivíduos do sexo masculino em ambos os grupos apresentaram maiores valores de glicemia, frutose, enzimas hepáticas e ICI e II, assim como menor valores de HDL-c, quando comparados às mulheres. Embora o autorrelato de diagnóstico de esteatose hepática no grupo Germânico tenha sido cerca de três vezes superior ao grupo Não germânico, os resultados de ultrassonografia hepática não identificaram diferenças, segundo grupos e sexo. A estimativa do risco cardiovascular mostrou que os indivíduos do grupo Não germânico apresentaram maior frequência de alto risco cardiovascular. A frutose plasmática não se correlacionou com o consumo de frutose (r= -0,013; p=0,556), entretanto, a avaliação dos grupos alimentares segundo grau de processamento mostrou que o grupo Germânico teve maior consumo de alimentos processados e ultraprocessados, caracterizado principalmente pelo elevado consumo de sucos, refrigerantes, doces e feijoada/feijão tropeiro. Em conjunto, destacou-se o elevado consumo de alimentos ricos em sacarose e consequentemente em frutose. Observamos que a frutose plasmática no grupo Germânico se correlacionou positivamente com a CC (p=0,001), perfil lipídico (TG, TG/HDL, p<0,001), enquanto observou-se correlação negativa com o HDL-c (p<0,001). Essas correlações foram mais robustas no grupo Não germânico. Os indivíduos do grupo Germânico apresentaram um risco de ter elevada concentração de frutose 75% superior ao grupo Não germânico. No modelo múltiplo, os indivíduos do grupo Germânico apresentaram o dobro de chances de terem HAS, e CC com valores indicativos de elevado RCV, porém menor chance de terem DLP. A inclusão da frutose no modelo de regressão mostrou tendência de maior RCV nos indivíduos germânicos com maior concentração de frutose no plasma. No modelo ajustado pela idade e sexo, a HAS perde a significância, enquanto a associação com a frutose se torna significativa. No modelo que também inclui o consumo de álcool, tabagismo e uso de medicamentos como variável de ajuste, apenas CC e DLP se mantiveram associados à preservação da cultura germânica. Com base nestes resultados podemos concluir que a preservação da cultura germânica se associou ao elevado consumo de frutose e essa manteve relação com elevada adiposidade, pressão arterial, diabetes mellitus e esteatose hepática, entretanto não houve impacto no perfil lipídico e na estimativa do risco cardiovascular.
In recent decades, countries such as Brazil have shown an upward curve in the incidence of cardiovascular diseases (CVD), representing about 30% of total deaths and 72% of NCD mortality in Brazil. The current Brazilian dietary pattern is characterized by high consumption of processed foods, with high caloric density and rich in added sugars, where the high consumption of sucrose and, consequently, glucose and fructose stand out. Unlike the fructose found naturally in fruits and vegetables, excessive consumption exerts multiple negative effects on health, especially dyslipidemia, hyperuricemia, insulin resistance, and possibly cardiovascular risk. Few studies have evaluated the interaction between fructose intake and culturally specific aspects. The aim of this study was to evaluate the role of fructose on cardiovascular risk in German descendants who maintain preserved Germanic culture. This is a study with primary data from the baseline moment of the "Life and Health in Pomerode (SHIP-BRAZIL) Cohort" based on direct assessment of socioeconomic, cultural, clinical and dietary data (Food Frequency Questionnaire). Based on phenotypic evaluation (self-reported ethnicity) and social behaviors (speaking German at home, attending community/cultural associations, and reporting efforts to maintain German habits in Brazil through dress, music, and cooking), the individuals were classified into Germanic and Non-Germanic groups. From the blood collected, the lipid profile was analyzed (total cholesterol - TC, HDL-c, LDL-c, VLDL, Non-HDL, triglycerides - TG), Castelli Index I (ICI), Castelli Index II (ICII), liver enzymes (gamma-glutamyltransferase - GGT, aspartate aminotransferase - AST and alanine aminotransferase - ALT), plasma glucose and fructose. All statistical tests were analyzed using the Statistical Package for the Social Siences® (SPSS) version 20.0 software, with a significance level of p<0.05. Of the investigated sample (n=597), 68.3% belonged to the Germanic group, where the female gender was the most frequent in both groups (Germanic= 56.7%; Non-Germanic= 57.5%, p=0.892), and predominantly adults between 30 and 60 years old. Regarding self-reported diseases, the Germanic group showed higher prevalence of HAS (41.9% versus 24.7%; p<0.001) than the Non-Germanic group, being confirmed by the higher frequency in the use of anti-SAH medications (35.1% versus 21.7%; p=0.002) and by the higher systolic blood pressure observed (126 mmHg versus 121 mmHg; p<0.001) and higher values in males. Men in the Germanic group had higher weight, BMI and WC values when compared to women and the Non-Germanic group. Opposite profile was observed for the percentage of FM that was higher in the female group. The classification of anthropometric parameters confirmed that the Germanic group had a higher risk of cardiovascular complications associated with high WC (72% versus 53%. p<0.001). Although the Germanic and Non-Germanic groups had similar lipid profile and liver enzymes, male subjects in both groups had higher blood glucose, fructose, liver enzymes and ICI and II values, as well as lower HDL-c values, when compared to females. Although the self-reported diagnosis of hepatic steatosis in the Germanic group was about three times higher than in the non-Germanic group, the liver ultrasound results did not identify differences according to groups and sex. Estimation of cardiovascular risk showed that individuals in the Non-Germanic group had a higher frequency of high cardiovascular risk. Plasma fructose did not correlate with fructose consumption (r= -0,013; p=0.556), however, the evaluation of food groups according to the degree of processing showed that the Germanic group had higher consumption of processed and ultra-processed foods, characterized mainly by high consumption of juices, soft drinks, sweets and feijoada/tropical beans. Together, the high consumption of foods rich in sucrose and consequently in fructose stood out. We observed that plasma fructose in the Germanic group correlated positively with WC (p=0.001), lipid profile (TG, TG/HDL, p<0.001), while a negative correlation was observed with HDL-c (p<0.001). These correlations were more robust in the Non-Germanic group. Individuals in the Germanic group had a 75% higher risk of having high fructose concentration than the Non-Germanic group. In the multiple models, individuals in the Germanic group were twice as likely to have HAS, and CC with values indicative of high CRV, but less likely to have DLP. The inclusion of fructose in the regression model showed a trend towards higher CVR in Germanic subjects with higher plasma fructose concentration. In the model adjusted for age and sex, SAH loses significance, while the association with fructose becomes significant. In the model that also includes alcohol consumption, smoking, and medication use as adjustment variables, only WC and DLP remained associated with Germanic culture preservation. Based on these results we can conclude that the preservation of Germanic culture was associated with high fructose consumption and this maintained a relationship with high adiposity, blood pressure, diabetes mellitus, and hepatic steatosis; however there was no impact on lipid profile and cardiovascular risk estimation.