Perspectivas socioeconômicas da violência sexual no Brasil: dinâmica e níveis de associações causais
Socioeconomic perspectives of sexual violence in Brazil: dynamics and levels of causal associations
Publication year: 2019
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade Federal do Rio Grande do Norte to obtain the academic title of Doutor. Leader: Oliveira, Ângelo Giuseppe Roncalli da Costa
A violência sexual tem um impacto importante sobre os indivíduos, as famílias e na sociedade
em geral. Além de ser uma violação de direitos humanos, causa danos profundos no bem-estar
físico, sexual, reprodutivo, emocional, mental e social. Contudo, devido à sua natureza, a sua
ocorrência e impactos são frequentemente velados, resultando em uma significativa
subestimação do nível real do dano causado. Este tipo de agravo tem sido registrado em todos
os países, porém o tema ainda é pouco investigado nos países em desenvolvimento. Nesta
perspectiva, objetivou-se com este trabalho conhecer, sob o prisma conceitual e
epidemiológico, a situação da violência sexual no Brasil, analisar sua evolução ao longo dos
anos e sua associação com características contextuais e iniquidades sociais. Para tanto, este
estudo foi desenvolvido a partir de seis diferentes desenhos no intuito de contemplar ao máximo
as vertentes que envolvem um fenômeno tão complexo. No primeiro estudo foi realizado um
ensaio conceitual sobre a violência sexual. Nos demais estudos optou-se por uma abordagem
epidemiológica utilizando desenhos ecológicos com modelos estatísticos distintos. Quanto às
unidades de análise, utilizou-se dados individuais, dos municípios e unidades federativas
brasileiras. O desfecho analisado em todos os estudos foi a ocorrência de violência sexual, em
diferentes cálculos, com dados coletados pelo Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes
(VIVA) e/ou Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal
(SINESPJC). As variáveis independentes utilizadas foram características individuais coletadas
pelo VIVA; características contextuais relacionadas a educação, condições econômicas, sociais
e de emprego extraídos do Censo Brasileiro; e variáveis contextuais acerca dos serviços de
saúde, serviços sociais e segurança pública, obtidos respectivamente do Cadastro Nacional de
Estabelecimentos de Saúde (CNES), do Sistema de Informações sobre Orçamento Público em
Saúde (SIOPS), Censo do Sistema Único de Assistência Social (Censo SUAS) e dos Anuários
Brasileiros de Segurança Pública. Foram realizadas análises descritivas, comparações de
médias, análise de Poisson multinível, análise de regressão linear múltipla para dados em painel,
análise de desigualdade e Regressão linear múltipla. Os resultados apontam para uma
construção desigual de gênero na sociedade brasileira, com padrão hegemônico masculino
estabelecedor de comportamentos e de posições sociais, que tem favorecido a violência sexual.
Quanto aos fatores associados, ambas características individuais e contextuais, possuem relação
com a violência sexual, observando-se um forte efeito contextual, em nível de unidades
federativas. Os registros de violência sexual foram mais prevalentes em municípios e unidades
federativas brasileiras com melhores condições socioeconômicas. Tais registros variaram ao
longo dos anos de 2010 a 2014 entre as unidades federativas brasileiras, havendo, no geral, um
incremento ao longo dos anos. No mesmo período houve uma melhoria nos indicadores de
condições econômicas e sociais dos estados e nos municípios brasileiros, estando os maiores
registros de violência sexual associados as melhores condições de vida em todos os anos.
Observou-se aumento na desigualdade da taxa de notificações de violência sexual em função
da renda domiciliar e do IDH. Caracterizou-se uma inversão nas notificações de violência
sexual estruturada pela iniquidade social no Brasil. Houve um aumento na taxa de notificação
da violência sexual, a qual foi acompanhada por um aumento simultâneo da desigualdade de
notificações. As taxas de registros de violência sexual variam de acordo com o sistema de
registro. No geral, o sistema policial registrou mais violência sexual que o sistema dos serviços
de saúde. Há um considerável subnotificação de violência sexual no sistema VIVA,
especialmente na região Sul do país e em municípios de pequeno porte populacional. Contudo
em algumas unidades federativas, o registro do VIVA se mostra mais eficiente em captar a
violência sexual que o sistema policial. Fatores contextuais também estão associados ao subregistro de violência sexual em distintos sistemas de informações sobre o tema. Conclui-se que
políticas de equidade de gênero mais incisivas lastreadas pela redução da violência estrutural ainda são necessárias no Brasil para enfrentamento da violência sexual. Adicionalmente,
também são necessárias garantias de direitos básicos, como educação e renda, tanto para
redução das estatísticas do agravo quanto para melhoria do registro deste agravo nos sistemas
nacionais de informações. Uma distribuição de renda mais equitativa e incremento do
desenvolvimento social são também fatores relevantes para combate da violência sexual no
país. Por fim, compreende-se que para a construção de políticas de saúde mais assertivas no
combate à violência sexual, é necessária a compilação de informações de diferentes fontes,
considerando haver, atualmente, uma considerável subnotificação do sistema VIVA, principal
ferramenta governamental de análise situacional da violência no país (AU).
Sexual violence has a major impact on individuals, families and society in general. In addition
to being a violation of human rights, it causes profound damage to physical, sexual,
reproductive, emotional, mental and social well-being. However, due to their nature, their
occurrence and impacts are often veiled, resulting in a significant underestimation of the actual
level of damage caused. This type of injury has been registered in all countries, but the issue is
still little investigated in developing countries. In this perspective, this paper aimed to know,
from a conceptual and epidemiological point of view, the situation of sexual violence in Brazil,
analyze its evolution over the years and its association with contextual characteristics and social
inequities. To do so, this study was developed from six different designs in order to contemplate
as much as possible the strands that involve such a complex phenomenon. In the first study a
conceptual essay on sexual violence was carried out. In the other studies, an epidemiological
approach was adopted using ecological designs with different statistical models. As for the units
of analysis, individual data were used, from the municipalities and Brazilian federal units. The
results analyzed in all the studies were the occurrence of sexual violence, in different
calculations, with data collected by the Violence and Accident Surveillance System (VIVA)
and / or National System of Public Security and Criminal Justice Statistics (SINESPJC). The
independent variables used were individual characteristics collected by VIVA; contextual
characteristics related to education, economic, social and employment conditions extracted
from the Brazilian Census; and contextual variables related to health services, social services
and public safety, obtained respectively from the National Registry of Health Establishments
(CNES), the Public Health Information System (SIOPS), the Census of the Single Social
Assistance System SUAS) and the Brazilian Yearbooks of Public Security. Descriptive
analyzes, mean comparisons, multilevel Poisson analysis, multiple linear regression analysis
for panel data, inequality analysis and multiple linear regression were performed. The results
point to an unequal gender structure in Brazilian society, with a male hegemonic pattern that
establishes behaviors and social positions, which has favored sexual violence. As for the
associated factors, both individual and contextual characteristics are related to sexual violence,
observing a strong contextual effect, at the level of federative units. The records of sexual
violence were more prevalent in Brazilian municipalities and federative units with better
socioeconomic conditions. These records varied over the years 2010 to 2014 between the
Brazilian federal units, with an overall increase over the years. In the same period there was an
improvement in the indicators of economic and social conditions in the Brazilian states and
municipalities, with the highest records of sexual violence associated with the best living
conditions in all years. There was an increase in the inequality of the rate of notifications of
sexual violence as a function of household income and HDI. There was a reversal in the reports
of sexual violence structured by social inequality in Brazil. There was an increase in the
reporting rate of sexual violence, which was accompanied by a simultaneous increase in
reporting inequality. Rates of records of sexual violence vary according to the registration
system. In general, the police system recorded more sexual violence than the health services
system. There is considerable underreporting of sexual violence in the VIVA system, especially
in the southern region of the country and in small towns. However, in some federative units,
the VIVA registry is more efficient in capturing sexual violence than the police system. Contextual factors are also associated with sub-registration of sexual violence in different
information systems on the subject. It is concluded that more incisive gender equality policies
backed by the reduction of structural violence are still necessary in Brazil to confront sexual
violence. In addition, guarantees of basic rights, such as education and income, are also needed,
both to reduce the statistics of the problem and to improve the registration of this grievance in
the national information systems. More equitable income distribution and increased social
development are also relevant factors in combating sexual violence in the country. Finally, it is
understood that for the construction of more assertive health policies in the fight against sexual
violence, it is necessary to compile information from different sources, considering that there
is currently a considerable underreporting of the VIVA system, the main governmental tool of
situational analysis of violence in the country (AU).