Manual de avaliação multidimensional da pessoa idosa para a atenção primária à saúde: aplicações do IVCF-20 e do ICOPE (Linha de cuidado: saúde da pessoa idosa)
Manual for multidimensional assessment of older people for primary health care: applications of IVCF-20 and ICOPE (Care line: health of older people)
Publication year: 2023
Os sistemas de atenção à saúde se deparam, em escala planetária, com um grave problema estrutural determinado pela fragmentação do cuidado que se explica pela natureza singular da transição da saúde. Essa transição compõe-se de dois movimentos
interconectados: a transição das condições de saúde e a transição dos sistemas de saúde. A transição das condições de saúde
dá-se no contexto dos sistemas de atenção em duas dimensões principais: a transição demográfica e a transição epidemiológica.
A transição demográfica já se completou nos países desenvolvidos e está se dando de forma muito profunda e rápida nos países
em desenvolvimento, entre eles o Brasil, como mostram os dados recente do censo. O resultado dessa transição é que a proporção
de pessoas idosas vem aumentando rapidamente, levando ao incremento exponencial das condições crônicas e pressionando os
custos dos sistemas de atenção à saúde.
A outra transição contextual é a epidemiológica, que se expressa no crescimento relativo das condições crônicas na carga de doenças. No Brasil, as doenças crônicas já representam mais de 70% dessa carga. Se considerarmos o conceito de condições crônicas,
que engloba todas as condições que exigem dos sistemas de atenção à saúde uma ação proativa, contínua e integrada em redes - o
que inclui a atenção à pessoa idosa -, esse percentual chega a aproximadamente 80% da carga total doenças. Como consequência,
pode-se estimar que mais de 75% dos gastos do SUS são por condições crônicas.
Por outro lado, a transição dos sistemas de atenção à saúde expressa em suas culturas e seus modelos de gestão e de financiamento
dá-se de forma lenta e superficial.
Essa brecha entre a transição das condições de saúde e a transição dos sistemas de atenção à saúde rompe o princípio fundamental
do postulado que indica que deve haver uma coerência entre essas duas formas de transição. Isso leva a uma ruptura que constitui
a crise medular dos sistemas de atenção à saúde, que não conseguem se adaptar, oportunamente, ao crescimento das condições crônicas. O resultado é que temos hoje, no Brasil e em todo o mundo, uma incoerência entre uma situação de saúde de tripla
carga de doenças, com predomínio relativo forte das condições crônicas e uma resposta social dada por sistemas de atenção à saúde
fragmentados, que foram desenvolvidos na metade do século passado. Ou seja, temos um descompasso entre uma situação de
saúde do século XXI, sendo respondida por um sistema de atenção à saúde do século XX, que se volta relativamente para a
atenção aos eventos agudos.
O sistema fragmentado vigente se caracteriza por ser organizado por componentes, por níveis hierárquicos e para a atenção aos
eventos agudos, para os indivíduos, de forma reativa, com ênfase em ações curativas, reabilitadoras e no cuidado profissional e sem
um ente de coordenação dos fluxos de pessoas, produtos e informações. Esses sistemas fragmentados fracassaram totalmente no
enfrentamento das condições crônicas. Pesquisa recente sobre a hipertensão arterial feita por 1200 estudos populacionais e com
uma amostra de mais de 1 milhão de pessoas em vários países do mundo mostrou que de cada 100 pessoas menos de 10 delas estavam em tratamento e com a pressão arterial controlada. Não é diferente no Brasil em que estudos evidenciaram que de cada 100
pessoas com diabetes apenas 13 estavam em tratamento e com a glicemia controlada.