A medicalização do parto no Brasil a partir do estudo de manuais de obstetrícia
The medicalization of childbirth in Brazil based on the study of obstetrics manuals

Publication year: 2020
Theses and dissertations in Portugués presented to the Fundação Oswaldo Cruz. Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira. Pós-Graduação em Saúde da Criança e da Mulher to obtain the academic title of Doutor. Leader: Jannotti, Cláudia Bonan

Esta tese analisa o processo de medicalização do parto no Brasil a partir dos manuais de obstetrícia publicados entre os anos de 1980 e 2011. Sua construção foi inspirada nas reflexões sobre assistência ao parto, onde o direito da mulher sobre o seu corpo, à autonomia na escolha da via de parto e o acesso às informações estejam assegurados, permitindo-lhes exercer esses direitos de forma segura e consciente e vivendo a experiência única do parto de forma plena. Nosso objetivo é analisar os saberes e práticas relativas ao parto que têm sido difundidas por esses manuais, partindo do argumento que, dentro da complexa rede de aspectos que se co-constituem e que contribuem para a permanência de um quadro assistencial marcado por um uso excessivo e, por vezes, desnecessário de intervenções, inclui-se o estilo de pensamento que tem sido transmitido no processo de formação dos obstetras. Nesse sentido, os manuais de obstetrícia são um importante veículo de disseminação desse embasamento teórico que serve de sustentação às práticas obstétricas. Esse entendimento dialoga com trabalhos no campo da sociologia das ciências, dos quais destacamos os de Ludwick Fleck e Thomas S. Kuhn. Partimos de uma concepção mais geral de medicalização – entendida como o processo pelo qual a medicina amplia e consolida a sua área de atuação nos diversos campos da sociedade – e das diferentes formulações do conceito, concebidas por estudiosos do século XX. Discutimos aspectos relacionados ao formato, temáticas e mercado editorial relacionados aos manuais de obstetrícia.

Examinamos alguns elementos que compõem a estrutura das relações objetivas desses manuais:

agentes sociais e instituições, buscando as conexões e vínculos estabelecidos entre eles, identificando o tráfego intracoletivo e intercoletivo de conhecimento, que se constituiriam como coletivos de pensamento. Analisamos os diferentes sentidos atribuídos ao parto, a sua relação com a ideia de risco e a construção de modelos de assistência que pretendem garantir a segurança do processo de parturição. Esses modelos seriam uma expressão do estilo de pensamento do manual, e analisando esses modelos, construímos duas categorias de manuais: (1) “manejo ativo” (subdividida em “manejo ativo a priori” e “manejo ativo condicional”) e (2) “expectante”. Por fim, analisamos as estratégias de segurança: o espaço, o roteiro e as intervenções recomendadas pelos manuais de obstetrícia e as relações entre os atores que compõem a cena do parto. A tese conclui que apesar de terem sido encontradas variações significativas entre as formas de prestar o cuidado no processo de parturição, embasadas em estilos de pensamento que oscilaram entre os mais e os menos intervencionistas, todos os manuais compartilham o entendimento de que o parto é um evento tutelado pela ciência médica-obstétrica, que apesar de admitir o parto como evento “fisiológico” e “normal”, essa fisiologia acaba perdendo força e visibilidade.
This thesis analyzes the medicalization process of childbirth in Brazil from the obstetrics manuals published between the years 1980 and 2011. Its construction was inspired by reflections on childbirth assistance, where the woman's right over her body, to autonomy in choice of birth mode and access to information are ensured, allowing them to exercise these rights safely and consciously and living the unique experience of childbirth fully. Our objective is to analyze the knowledge and practices related to childbirth that have been disseminated by these manuals, based on the argument that, within the complex network of aspects that are co-constituted and that contribute to the permanence of an assistance framework marked by excessive use, and sometimes, unnecessary interventions, include the style of thinking that has been transmitted in the process of training obstetricians. In this sense, obstetrics manuals are an important vehicle for the dissemination of this theoretical basis that supports obstetric practices. This understanding dialogues with works in the field of sociology of science, of which we highlight those by Ludwick Fleck and Thomas S. Kuhn. We start from a more general conception of medicalization - understood as the process by which medicine expands and consolidates its area of activity in the different fields of society - and from the different formulations of the concept, conceived by 20th century scholars. We discussed aspects related to the format, themes and editorial market related to obstetrics manuals.

We examined some elements that compose the structure of the objective relations of these manuals:

social agents and institutions, looking for the connections and links established between them, identifying the intracollective and intercollective traffic of knowledge, which would constitute themselves as collectives of thought. We analyzed the different meanings attributed to childbirth, its relationship with the idea of risk and the construction of care models that aim to guarantee the safety of the parturition process. These models would be an expression of the manual's style of thinking, and analyzing these models, we constructed two categories of manuals: (1) “active management” (subdivided into “active management a priori” and “conditional active management”) and (2) "expectant". Finally, we analyze the security strategies: the space, the script and the interventions recommended by the obstetrics manuals and the relationships between the actors that compose the birth scene. The thesis concludes that although significant variations were found between the ways of providing care in the parturition process, based on styles of thought that oscillated between the most and the least interventionist, all manuals share the understanding that childbirth is an event under the tutelage of medical-obstetric science, which despite admitting childbirth as a “physiological” and “normal” event, this physiology ends up losing strength and visibility.

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