A perícia psiquiátrica no processo penal da pessoa com transtorno mental em conflito com a lei: uma análise sob a luz da sociologia das ausências
The psychiatric expertise in criminal proceedings of the person with a mental disorder in conflict with the law: an analysis in the light of the sociology of absences

Publication year: 2023
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto to obtain the academic title of Mestre. Leader: Ventura, Carla Aparecida Arena

A pessoa com transtorno mental que comete delito pode ter a pena substituída por medida de segurança, se confirmado por laudo psiquiátrico forense que no momento do crime não tinha discernimento sobre a ilicitude do fato, conforme Código Penal brasileiro. Essa medida de segurança pode ser internação em Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou tratamento ambulatorial. Não existe limite de prazo para cumprimento dessa medida, e aquele que é custodiado à internação não tem prazo para deixar esse hospital. A perícia psiquiátrica forense tem grande influência na decisão judicial, pois o perito que conclui sobre a imputabilidade penal, com base no método biopsicológico, avaliação do nexo de causalidade entre transtorno mental e delito, e da periculosidade do indivíduo. Essa pessoa acaba por ser duplamente estigmatizada, pelo transtorno mental e pelo crime cometido, e por ser silenciada, tornando-se socialmente invisível. Este estudo apresenta como objetivo descrever como ocorre a perícia psiquiátrica no processo penal e seus desdobramentos para a aplicação da medida de segurança, identificando as características apresentadas nos laudos forenses e as situações de invisibilidade das pessoas com transtorno mental que cometeram delitos. Trata-se de pesquisa qualitativa descritiva com análise documental, tendo como fonte primária os laudos psiquiátricos. O percurso metodológico não é restrito, segue processo de "garimpagem" que foi dividido em 3 etapas: identificação e coleta de documentos; organização do material coletado; procedimento da análise documental. Ao final foram selecionados 37 laudos.

Os resultados foram classificados em 4 categorias:

categoria tempo da perícia identificou diversos fatores que envolvem o decurso de tempos relacionado ao exame pericial, dentre eles, 5 perícias realizadas após 365 dias do delito; na categoria sociodemográfica, o perfil dos periciandos eram, na maioria, do sexo masculino, solteiros, brancos, sem filhos, idade até 40 anos, muitos sequer concluíram o ensino fundamental e exerciam profissões que exigem pouca ou nenhuma qualificação técnica e educação; na categoria saúde mental, prevaleceu a indicação de preexistência de transtorno mental ao delito e a maioria dos periciandos já fez tratamento psiquiátrico, incluindo internação, sendo comum a descontinuidade do tratamento; na categoria conclusão pericial, a maioria dos periciandos foram considerados imputáveis, o tratamento ambulatorial foi o mais indicado, e apresentou prevalência de crimes contra patrimônio. Os resultados foram discutidos com dados encontrados na literatura e com base no marco teórico da Sociologia das Ausências. Identificou-se a produção de não existência dos periciandos sob as formas de inferior, improdutivo e ignorante, por meio das monoculturas da naturalização das diferenças, dos critérios de produtividade capitalista e dos saber e do rigor do saber, respectivamente. É necessário desconstruir essas monoculturas e substituí-las pelas ecologias dos reconhecimentos, da produtividade e de saberes, respectivamente. Tanto a perícia quanto os laudos precisam ser descontruídos e reconstruídos sob novos olhares de saberes científicos [psiquiatria e direito] e saberes não científicos, para que a não existência dessas pessoas não seja produzida
A person with a mental disorder who commits a crime may have the sentence replaced as a security measure, if confirmed by a forensic psychiatric report that, at the time of the crime, they had no discernment about the illegality of the fact, according to the Brazilian Penal Code. This security measure can be hospitalisation in a Hospital of Custody and Psychiatric Treatment or outpatient treatment. There is no deadline for compliance with this measure, and those who are compulsorily hospitalised have no deadline to leave that hospital. Forensic psychiatric expertise has a great influence on the decision of the judge, as the expert who concludes on criminal responsibility, based on the biopsychological method, assessment of the causal link between mental disorder and the crime committed, and dangerousness. This person ends up being doubly stigmatized, due to the mental disorder and the crime committed, and for being silenced, becoming socially invisible. This study aims to describe how psychiatric expertise occurs in the criminal process and its consequences for the application of the security measure, identifying the characteristics presented in the forensic reports and the situations of invisibility of people with mental disorders who have committed crimes. This is descriptive qualitative research with documental analysis, having psychiatric reports as a primary source. The methodological course is not restricted and it follows a "mining" process, which was divided into 3 stages: identification and document collection; organization of the material collected; document analysis procedure. In the end, 37 reports were selected.

The results were classified into 4 categories:

time of expertise category, identified several factors that involve the time course related to the expert examination, among them, 5 psychiatric expertise took place after 365 days of the crime; in the sociodemographic category, the profile of examinees was mostly male, single, white, without children, and aged up to 40 years old, many of them had not even completed elementary school and worked in professions that require little or no technical qualification and education; in the mental health category, the indication of a pre-existing mental disorder to the crime prevailed and most of the examinees had already undergone psychiatric treatment, including hospitalisation, with discontinuity of treatment being common; in the expert conclusion category, most examinees were considered imputable, outpatient treatment was the most indicated and showed a prevalence of crimes against property. The results were discussed with data found in the literature and based on the theoretical reference of the Sociology of Absences. The production of the non-existence of the examinees in the forms of inferior, unproductive, and ignorant was identified, through the monocultures of the naturalization of differences, the criteria of capitalist productivity and knowledge and the rigor of knowledge, respectively. It is necessary to deconstruct these monocultures and replace them with ecologies of recognition, productivity, and knowledge, respectively. Both the expertise and the reports need to be deconstructed and reconstructed under new perspectives of scientific knowledge [psychiatry and law] and non-scientific knowledge so that the non-existence of these people is not produced

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