Regurgitação tricúspide funcional em pacientes com cardiopatia reumática: fatores asociados, impacto prognóstico e preditores de progressão
Clinical outcomes and progression rate of tricuspid regurgitation in patients with rheumatic mitral valve disease

Publication year: 2022
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade Federal de Minas Gerais to obtain the academic title of Doutor. Leader: Pereira, Maria do Carmo Nunes

Introdução:

A cardiopatia reumática crônica (CRC) continua sendo um grande problema de saúde pública, particularmente em países de baixa e média renda, onde é responsável por mais milhões de mortes prematuras anualmente. Embora a valva mitral seja predominantemente afetada, substancial número de pacientes apresentam regurgitação tricúspide (RT) secundária à doença valvar mitral, que pode evoluir com insuficiência cardíaca direita e morte. A RT funcional é consequente à hipertensão pulmonar em pacientes com CRC, mas as implicações clínicas da RT no contexto da CRC não estão bem estabelecidas. Este estudo prospectivo foi desenhado para identificar os determinantes da RT funcional grave, o impacto da RT nos desfechos clínicos e os preditores de progressão da RT em uma grande população de pacientes com CRC.

Métodos:

Pacientes com CRC encaminhados para tratamento de doença valvar entre 2011 e 2021 foram incluídos. Ecocardiograma completo, com avaliação detalhada da valva tricúspide e das câmaras cardíacas direitas foi realizado à inclusão no estudo. Os pacientes com acometimento reumático da valva tricúspide foram excluídos. À entrada no estudo, RT funcional foi classificada de acordo com as diretrizes, como ausente, leve, moderada e grave. Progressão da RT foi definida como piora do grau da RT na avaliação inicial em relação ao último ecocardiograma de acompanhamento, ou RT grave inicial que necessitou de cirurgia para reparo valvar ou morreu. Os desfechos clínicos foram definidos como o composto de morte cardíaca ou necessidade de troca valvar mitral (TVM). O risco de progressão da RT foi estimado considerando riscos competitivos.

Resultados:

Um total de 645 pacientes foram incluídos, com idade de 47 ± 12 anos, 85% do sexo feminino. A RT funcional estava ausente em 3,4%, leve em 83,7%, moderada em 8,5% e grave em 4,3%. Na população incluída, a dupla lesão valvar mitral foi o padrão mais comum de envolvimento valvar, sendo a estenose mitral a lesão predominante associada à regurgitação mitral leve. À entrada no estudo, a fibrilação atrial (FA) foi diagnosticada em 205 pacientes (32%). As características clínicas e ecocardiográficas associadas à RT significativa foram idade, área do átrio direito (AD), pressão sistólica da artéria pulmonar (PSAP) e presença de disfunção do ventrículo direito (VD), com estatística C do modelo de 0,888 (95% CI 0,844-0,932). O grau de RT funcional comparado com RT ausente ou leve foi associado a eventos adversos com risco de 1,93 (IC 95% 1,16-3,2) para RT moderada e 2,30 (IC 95% 1,28-4,13) para RT grave, independentemente da idade, classe funcional NYHA, fração de ejeção do ventrículo esquerdo, complacência atrioventricular (Cn) e realização da valvoplastia mitral no início do estudo. Sobrevida livre de eventos diminuiu com o aumento da gravidade da RT funcional, com taxa de sobrevida em 3 anos de seguimento de 91%, 72% e 62 % em pacientes com RT leve, moderada e grave, respectivamente. Durante o seguimento médio de 4,1 anos (mediana de 3,4 anos; intervalo interquartílico de 1,0 a 6,6 anos), a progressão da RT ocorreu em 83 pacientes (13%) com taxa de incidência de progressão de 3,7 eventos (IC 95% 2,9-4,5) por 100 pacientes-ano. Os preditores de progressão RT foram idade (HR 1,06, IC 95% 1,04-1,08, P <0,001), área AD (HR 1,05, 95 % CI 1,02-1,08, P <0,001), presença de disfunção do VD (HR 2,36, IC 95% 1,40-4,01, P = 0,001) e classe funcional III/IV da NYHA (HR 2,48, IC 95% 1,50 -4,08, P<0,001), após ajuste por FA, valvoplastia mitral percutânea e PSAP.

Conclusão:

Nos pacientes com CRC, RT funcional foi frequente e associada à idade, pressão da artéria pulmonar, área do AD e disfunção do VD. A RT funcional foi preditor de desfechos adversos, independentemente de disfunção do VD e PSAP. A RT pode progredir ao longo do tempo, principalmente relacionada ao remodelamento das câmaras cardíacas direitas. A avaliação do grau da RT funcional é essencial em pacientes com CRC para estratificação de risco e decisões quanto à intervenção na valva tricúspide.

Background:

Rheumatic heart disease (RHD) remains a major health problem, particularly in low- and middle-income countries, where it accounts for over a million premature deaths annually. Although the mitral valve is affected predominantly, a substantial proportion of patients manifest significant tricuspid regurgitation (TR) secondary to mitral valve disease, which lead to right-sided heart failure and ultimately death. Functional TR is mostly consequent to pulmonary hypertension in patients with RHD. However, there are limited data regarding the clinical implications of TR in the setting of RHD. This prospective study was designed to identify the determinants of significant functional TR, the impact of TR on clinical outcomes and the predictors of TR progression in a large population of RHD patients.

Methods:

Patients with RHD who were referred for management of heart valve disease between 2011 and 2021 were enrolled. A comprehensive echocardiogram was performed, with careful tricuspid valve examination and special attention to optimize the right heart acquisitions. Patients with rheumatic involvement of tricuspid valve were excluded. At baseline, functional TR was graded according to guidelines, as absent, mild, moderate, and severe. TR progression was defined either as worsening of TR degree from baseline to the last follow-up echocardiogram or severe TR at baseline that required surgery or cardiac death. Clinical outcomes were defined as the composite of cardiac death or the need for surgical mitral valve replacement (MVR). Risk of TR progression was estimated accounting for competing risks.

Results:

A total of 645 were enrolled, mean age of 47 ± 12 years, 85% female. Functional TR was absent in 3.4%, mild in 83.7%, moderate in 8.5% and severe in 4.3%. In the overall population, mixed mitral valve disease was the most common pattern of valve involvement with mitral stenosis as a predominant lesion associated with mild mitral regurgitation. At enrollment, atrial fibrillation was diagnosed in 205 patients (32%). Clinical and echocardiographic features associated with more severe TR were age, right atrial (RA) area, and systolic pulmonary artery pressure (SPAP), and the presence of right ventricular (RV) dysfunction, with C statistic of the model of 0.888 (95% CI 0.844-0.932). Functional TR degree compared with no or mild TR was associated with adverse outcome (hazard ratio [HR] 1.91 (95% CI 1.15-3.2) for moderate TR, and 2.30 (95% CI 1.28-4.13) for severe TR, independently of age, NYHA functional class, left ventricular ejection fraction, net atrioventricular compliance (Cn) and mitral valvuloplasty. Event-free survival rates decreased with increasing severity of functional TR, with survival rate at 3-years follow-up of 91%, 72% and 62% in patients with no or mild, moderate and severe TR, respectively. During mean follow-up of 4.1 years (median 3.4, IQR 1.0 to 6.6 years), TR progression occurred in 83 patients (13%) with an overall incidence of progression rate of 3.7 events (95% CI 2.9-4.5) per 100 patient-years. Predictors of TR progression were age (HR 1.06, 95% CI 1.04-1.08, P<0.001), RA area (HR 1.05, 95% CI 1.02-1.08, P<0.001), the presence of RV dysfunction (HR 2.36, 95% CI 1.40-4.01, P=0.001), and NYHA functional class III/IV (HR 2.48, 95% CI 1.50-4.08, P<0.001), after adjusted by AF, mitral valvuloplasty, and SPAP.

Conclusions:

In patients with RHD, functional TR was frequent and associated with age, pulmonary artery pressure, RA dimension, and RV dysfunction. Functional TR was predictor of adverse outcomes, independently of RV dysfunction and SPAP. TR may progress over time, mainly related to right-sided remodeling. Assessing of functional TR grade is essential in RHD patient for risk stratification and decisions regarding tricuspid valve intervention.

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