O processo de envelhecimento não ocorre de forma homogênea na sociedade, mas atravessado por aspectos históricos, culturais e socioeconômicos. Além disso, faz-se preciso lidar com as formas de subjetivação da pessoa idosa em meio ao discurso do “envelhecimento ativo e saudável”, proferido pelo Estado e pelos órgãos de saúde, articulados ao contexto político-econômico neoliberal. Assim, percebe-se a necessidade de pensar formas de cuidado que garantam a qualidade de vida da pessoa idosa que apresenta uma condição ameaçadora de vida e não a coloca no campo da produtividade sob a ótica desta política. Para isso, os cuidados paliativos (CP) apresentam-se como uma modalidade de cuidado que tem por finalidade a melhoria da qualidade de vida de pessoas e que enfrentam problemas associados a doenças ameaçadoras da vida e de seus familiares/cuidadores. No contexto brasileiro, embora a Política Nacional de Cuidados Paliativos tenha sido aprovada no ano de 2023, ela ainda não foi promulgada. Diante disso, persiste a necessidade de se ampliar as discussões acerca dos CP, tais como sobre diretrizes para seu financiamento, a inserção da temática na formação/qualificação profissional e o fornecimento de subsídios necessários para a sua aplicabilidade. Logo, as questões em torno dos CP ganham maior dimensão ao considerar os cenários de comunidades em condições de vulneração, onde as características do contexto social e ambiental às quais a população está exposta, são consideradas determinantes e condicionantes para o surgimento e manutenção das iniquidades em saúde. O objetivo deste estudo é compreender a configuração das práticas de CP ofertados à pessoa idosa, no contexto domiciliar, no âmbito de comunidades vulneradas. Trata-se de uma pesquisa descritiva, exploratória, de abordagem qualitativa, realizada em domicílios de pacientes sob CP atendidos pelo projeto de extensão universitária Comunidade Compassiva, nas favelas da Rocinha e do Vidigal, no município do Rio de Janeiro/RJ, Brasil. Os participantes desta pesquisa foram os sujeitos envolvidos em CP de pessoas idosas, no âmbito do projeto, onde incluem profissionais de saúde voluntários e voluntários locais. Utilizou-se para a coleta de dados a observação e a entrevista semiestruturada. Para a sua avaliação, foi utilizada a técnica de Análise do Discurso, com inspiração foucaultiana. Os resultados deste estudo apontam que às práticas de CP à pessoa idosa, no âmbito das comunidades vulneradas de favelas, são configuradas pela incipiente produção de políticas públicas voltadas, especificamente, para o alívio do sofrimento humano às pessoas em condições ameaçadoras de vida no solo brasileiro, somado ao contexto histórico, social e cultural da construção dos territórios de favela. Diante disso, a entrega dos CP à essa população, emerge mediante a micropolítica de resistência que nasce a partir dos saberes e poderes que circulam nesse contexto e permeiam os sujeitos envolvidos nesses cuidados, constituindo seus discursos e práticas sociais. Essas constatações sugerem que, para além do fomento de iniciativas não governamentais de assistência à saúde, necessita-se de avanços no desenvolvimento de políticas públicas de CP, que sejam amparadas nos princípios da universalidade, integralidade e equidade, para que ocorra a inserção dessa abordagem de cuidado em todos os pontos da RAS e que abarquem também os territórios de favela. Além disso, torna-se imperativo compreender o conceito de saúde como algo ampliado, tendo em vista a dinâmica territorial e os seus determinantes e condicionantes sociais de saúde.