Percepções sobre estudos de infecção humana controlada
Perceptions on controlled human infection studies

Publication year: 2024
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade Federal de Minas Gerais to obtain the academic title of Doutor. Leader: Bethony, Maria Flávia Gazzinelli

Os Estudos de Infecção Humana Controlada (EIHC) envolvem a administração intencional de uma dose de patógeno em indivíduos sadios em um ambiente controlado. Tem como objetivo conhecer a patogênese de uma doença infecciosa, compreender a resposta imune à infecção ou avaliar a eficácia de medicamentos e vacinas de forma mais eficiente, rápida e com custo mais baixo do que os ensaios clínicos tradicionais. A infecção deliberada, característica essencial deste tipo de estudo, cria questões desafiadoras, especialmente em países em desenvolvimento, onde os estudos são novos, pouco conhecidos e os desafios éticos podem ser intensificados. Para favorecer um debate ético de ampla abrangência e a compreensão do estudo, o engajamento público é considerado um dispositivo fundamental no consentimento. A consulta com os públicos interessados é necessária para apoiar um desenho de estudo conceitual e contextualmente apropriado. O presente estudo teve como objetivo analisar as percepções sobre o EIHC.

Estudo qualitativo que envolveu a análise das percepções sobre EIHC de quatro grupos:

(1) profissionais de pesquisa clínica, (2) membros de comitês de ética, (3) participantes de ensaios clínicos anteriores e (4) representantes de comunidade endêmica. A estratégia de coleta de dados utilizada com os profissionais foi um questionário virtual que incluiu um vídeo e perguntas abertas sobre o EIHC. Para o grupo de participantes de ensaios clínicos anteriores, utilizou-se a entrevista virtual ou ligação telefônica gravada, com o mesmo roteiro de perguntas do questionário empregado anteriormente. Já com os representantes de comunidade endêmica, foram utilizados um grupo focal e uma intervenção de educação. Os dados foram analisados conforme a análise de conteúdo de Bardin. Todos os participantes consideraram que o estudo é benéfico e é importante por favorecer o desenvolvimento de vacinas e medicamentos, o tratamento e cura de doenças e a produção de novos conhecimentos sobre ações regulatórias e de segurança dos participantes. Foi consenso entre os participantes que o estudo é aceitável, quando for monitorado pelas agências regulatórias, siga as Boas Práticas Clínicas, promova a compreensão adequada dos participantes, sobretudo dos riscos. Para os participantes, o Brasil possui centros de pesquisa, laboratórios e hospitais equipados, pesquisadores e profissionais qualificados, além de ações clínicas e regulatórias de segurança em pesquisa. Mas, devido ao seu desconhecimento, ao contexto de vulnerabilidade social da maior parte dos participantes e da dificuldade de engajamento dos diferentes setores da sociedade, o estudo é desafiante e gera preocupações. Em função destas questões, há a necessidade de informar os participantes, de modo que eles não só assimilem as informações do estudo, mas consigam interpretá-las e compreendê-las adequadamente. Para isso, é importante adotar abordagens educativas contextualizadas e próximas da realidade e experiência dos participantes. Na percepção dos participantes, a compreensão do estudo é reconhecida como uma das diretrizes importantes para o estudo ser considerado ético. Ainda do ponto de vista da eticidade do estudo, os participantes identificaram a imposição de que haja o engajamento do público e a participação ativa dos representantes da comunidade na informação da própria comunidade. Ao colocar os dados do estudo em diálogo com a literatura, constatou-se o reconhecimento de que o estudo deve envolver os públicos na sua divulgação, bem como engajá-los na discussão das implicações do estudo para a coletividade. Entretanto, embora seja um conhecimento compartilhado, não há consenso sobre “como” estes processos de compreensão, participação e engajamento devem ser desenvolvidos. Eles podem se apoiar em linhas de pensamento que se contrapõem, gerando assim práticas diferentes. São conceitos, portanto, que devem ser problematizados pelos pesquisadores e interessados pelo tema. Deste modo, tem-se a percepção de que um dos problemas aqui é de natureza metodológica. Isso obriga a deslocar a ênfase da pergunta sobre “o que deve ser feito” para o “como fazer”, incluindo as implicações políticas e os efeitos desse fazer. O estudo sobre as percepções de diferentes setores da sociedade sobre os EIHC contribuiu para favorecer o desenvolvimento de uma visão crítica e sensível sobre o problema. À partir dessa visão, é possível romper com a perspectiva polarizada e antagônica presente nos debates públicos da sociedade, em que se aceita o estudo, de um lado, ou não o aceita, de outro. Quando os públicos não assumem perspectiva pragmática, mas defendem posição ideológica, o diálogo e a discussão de soluções consensuais são dificultadas. Por ser pioneiro, o estudo pode se constituir porta de entrada para o início do desenvolvimento de EIHC no país, a exemplo de outros países em que foi percorrido o mesmo caminho.
Controlled Human Infection Studies (EIHC, in Portuguese) involve the intentional administration of a dose of a pathogen to healthy individuals in a controlled environment. Their objective is to gain insight into the etiology of an infectious disease, comprehend the immune response to infection, or evaluate the efficacy of drugs and vaccines more effectively, expeditiously, and at a lower cost than conventional clinical trials. Deliberate infection, a fundamental characteristic of this type of research, generates challenging issues, particularly in developing countries where the studies are new and unexplored, and the ethical challenges can be amplified. To foster a broad-ranging ethical debate and understanding of the study, public engagement is considered a key device for consent. Consultation with stakeholders is necessary to support a conceptually and contextually appropriate study design. This study aimed to analyze perceptions of the EIHC.

This qualitative study investigated the perceptions of EIHC of four groups:

(1) clinical research professionals; (2) ethics committee members; (3) participants in previous clinical trials; and (4) endemic community representatives. The professional data collection strategy used by the professionals was a virtual questionnaire that included a video and open-ended questions about the EIHC. For the group of participants in previous clinical trials, a virtual interview or recorded telephone call was utilized, utilizing the identical questions as the questionnaire employed previously. For the endemic community representatives, a focus group and an educational intervention were used. The data was analyzed by Bardin's content analysis. All participants considered the study to be beneficial and important, as it will contribute to the development of vaccines and medicines, the treatment and cure of diseases, the production of new knowledge about regulatory actions, and the safety of participants. There was a general agreement among the participants that the study is acceptable when it is closely monitored by the regulatory agencies, adheres to Good Clinical Practice, and promotes adequate comprehension among the participants, particularly regarding the risks. For the participants, Brazil has research centers, equipped laboratories, and hospitals; qualified researchers and professionals; as well as clinical and regulatory research safety actions. Nonetheless, owing to the inadequacy of the participants' knowledge, their social vulnerability, and the difficulty of engaging diverse segments of society, the study presents a significant challenge and raises concerns. Because of these issues, it is important to inform the participants so that they can not only assimilate the information from the study, but also interpret and understand it properly. To this end, it is important to adopt educational approaches that are contextualized and close to the reality and experience of the participants. In the participants' perception, understanding the study is recognized as one of the important guidelines for the study to be considered ethical. From an ethical perspective, the participants identified the need for public consultation and the active participation of community representatives in informing the community. When the data from the study was put into dialogue with the literature, there was recognition that the study should involve the public in its dissemination, as well as engaging them in discussing the implications of the study for the community. However, there is no agreement on "how" these processes of understanding, participation, and engagement should be developed. They can be based on opposing lines of thought, thus generating different practices. They are therefore concepts that should be problematized by researchers and those interested in the subject. This shows that one of the problems here is methodological. This requires shifting the focus from the question of "what should be done" to "how to do it," including the political implications and effects of doing it. The study of the perceptions of different sectors of society about EIHC has helped to develop a critical and sensitive view of the problem. From this viewpoint, it is possible to break away from the polarized and antagonistic perspective present in society's public debates, in which the study is accepted on one side or not accepted on the other. When the public does not adopt a pragmatic perspective and instead defends an ideological position, dialogue and the discussion of consensual solutions are hindered. As a pioneering study, it has the potential to serve as a foundation for the advancement of EIHC in the country, following the precedent set by other countries that have followed a similar course.

More related