Do contágio à transmissäo: ciência e cultura na gênese do conhecimento epidemiológico
Publication year: 1996
Theses and dissertations in Portugués presented to the Escola Nacional de Saúde Pública to obtain the academic title of Doutor. Leader: Ayres, José Ricardo de C. M.
Trata da relaçäo entre o conceito de transmissäo e a gênese do conhecimento epidemiológico. Demonstra como esse conceito foi demarcador de uma objetividade ao abrir um campo de elaboraçäo discursiva sobre a propagaçäo de doenças epidêmicas que, tendo como base a precisäo, a coerência e a demonstraçäo, garantiu à epidemiologia o estatuto de campo científico. Essa descontinuidade foi marcada por uma mudança na estrutura perceptiva de apreensäo da doença, a qual constitui o surgimento da medicina moderna. A apreensäo da doença epidêmica nesse período deslocou-se dos sentidos do tato e do olfato para o sentido da visäo. Isto ocorreu desde que o olhar médico orientou-se para as lesöes nas estruturas anatômicas de revestimento corporal - peles, membranas mucosas. Essa mudança foi também articulada ao desenvolvimento das ciências da vida. A biologia constituiu como ciência nessa época, ao iniciar o estudo dos seres vivos através do conceito de organismo, integrando um projeto de disjunçäo do saber que aprofundou a cisäo entre o corpo e a alma, característica do pensamento ocidental. O corpo orgânico correspondeu às ciências da natureza, sendo dissociado do psíquico, do humano e do social. A construçäo do conceito de transmissäo esteve assim vinculada a um processo progressivo de reduçöes, consequente ao desenvolvimento do método analítico que caracterizou a racionalidade científica. Esse esforço de análise viabilizou recursos operativos específicos para intervençäo no processo da doença. Ao mesmo tempo, construiu representaçöes que descartam aspectos fundamentais do processo vital. Assume-se, portanto, como limite central da construçäo do conceito de transmissäo, o distanciamento da questäo da autoconservaçäo, no sentido de um acontecimento contitutivo da vida na sua concretude. Ao tematizar a autoconservaçäo do ser vivo, a biologia historicamente tematizou as suas interfaces. Outra hipótese central deste trabalho é que as diversas teorias e conceitos de doença epidêmica no decorrer da história tiveram como elemento comum a problematizaçäo das interfaces do corpo, que além disso está presente em outras conceituaçöes da doença, atestando sua relevância no processo concreto do adoecer. O conceito de transmissäo relaciona-se a uma determinada conceituaçäo de doença que problematiza as superfícies de encontro e separaçäo do ser vivo através de sua estrutura anatômica.