A centralidade do medicamento na terapêutica contemporânea
Publication year: 2002
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social to obtain the academic title of Doutor. Leader:
Medicamentos de base química assinalaram uma revolução nas atividades de saúde pública e no exercício da medicina, alcançaram um lugar hegemônico na terapêutica contemporânea e, simbolicamente, ultrapassaram as fronteiras do que se entende como um mero recurso terapêutico. Na atualidade, são consumidos cada vez amis com o objetivo de moldar o corpo ou o comportamento a padrões estéticos e de conduta rigidamente estabelecidos na cultura contemporânea. A análise de 237 reportagens veiculadas nas décadas de oitenta e noventa, em jornais e revistas de larga circulação sobre alguns dos medicamentos da grande indústria farmacêutica mais vendidos no país, demonstrou uma tendência ao despregamento do consumo de medicamentos da cultura médica, sustentada na automedicação com resposabilização por seus riscos. Nestas reportagens, o discurso que favorece o consumo de medicamentos se caracterizou pela associação de informações de origem científica a símbolos de poder, beleza, juventude e de força, sustendados em e ao mesmo tempo reforçando valores dominantes na cultura atual, tais como o individualismo, a competição acirrada e o consumismo. A abordagem de riscos prevaleceu em 55 por cento do conjunto de reportagens, em discurso acentuando a autonomia e a responsabilização do indivíduo no consumo de medicamentos e seus riscos. O apelo a padrões dominantes de estética e de conduta conjugado à crescente divulgação dos riscos tende a deslocar o medicamento do campo de cura e de saúde para o de controle de risco, enquanto intervenção que evoca noções do certo-incerto, dentro-fora, corpo-espírito, vida-morte. Desta perspectiva, o medicamento químico, como defesa mágica materializada pela ciência e tecnologia, ao mesmo tempo em que expressa o poder de cura de agentes da medicina hegemônica, seu projeto terapêutico e seu aparato tecnológico, constitui-se crescentemente em objeto de desconfiança na ciência e no modelo linear de progresso que projeta a utopia de controle e reconstrução da natureza através da biotecnologia. A diversificação de sentidos e práticas em saúde, portadores de diferentes valores relativos à própria vida em sociedade, pode estar sinalizando um deslocamento na centralidade do medicamento na terapêutica e na cultura. A busca de bem estar tende a valorizar um processo interior, individual e coletivo, relacionado à transformação de nosso jeito de sentir, ser e viver, dando lugar a uma nova sabedoria e uma nova ética social do bem viver. Biomedicina