O medo na cidade do Rio de Janeiro

Publication year: 2003
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Instituto de Medicina Social to obtain the academic title of Doutor. Leader:

O presente trabalho pretende enfocar a difusão do medo do caos e da desordem para detonar estratégias de neutralização e disciplinamento das massas empobrecidas, a partir da hegemonia conservadora. Partindo dos medos urbanos contemporâneos, busca-se analisar os discursos sobre segurança na conjuntura de pânico no Rio de Janeiro na década de 90 do século XX através de uma abordagem histórica. Paralelamente, procura-se dissecar os medos cariocas do século XIX, principalmente em torno da rebelião escrava muçulmana na Bahia em 1835, conhecida como a Revolta dos Malês, para observar rupturas e permanências em relação aos medos de hoje. Investigando fontes primárias e secundárias, a pesquisa histórica analisa os discursos do medo do ponto de vista político, jurídico-penal, médico e na imprensa local, demonstrando como uma abordagem que hiperboliza o perigo das ôclasses perigosasõ tem conseqüências concretas na cidade. Os discursos apartadores abrem caminho para políticas de segurança exterminadoras, em que os inimigos construídos são desumanizados. Cria-se então uma violência naturalizada no cotidiano que tem conseqüências estéticas, cria monumentos, hierarquiza a cartografia da cidade, infundindo lugares e sentimentos verticais e seletivos, bem como a brutalização e criminalização da pobreza e do povo brasileiro. A pesquisa histórica aponta as contradições jurídicas da legislação penal de 1830, onde o escravo aparece como coisa perante o ordenamento jurídico das relações privadas, mas como pessoa perante o direito penal. Mostra também como, a partir da década de 30 do século XIX, instaura-se a normatização da medicina no Brasil e a patologização do africano, como metáfora dos males nacionais. É na confluência do discurso médico e do discurso jurídico que o fim do século XIX produzirá a criminologia positivista e a incorporação do social-darwinismo e do lombrosianismo no Brasil. A partir do grande paradoxo da implantação do liberalismo no Brasil, sem a ruptura com a escravidão, na conjuntura da Independência, observa-se como até os dias de hoje o medo do crime e da violência urbana carrega as marcas das matrizes do extermínio, da desqualificação jurídica, da estética da escravidão. Só a ruptura radical dessa memória do medo possibilitará a derrubada das fronteiras invisíveis de apartação urbana, criando então a possibilidade de um outro futuro e de uma outra história.

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