Publication year: 2012
ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS E SOCIAIS:
A infecção pelo vírus da hepatite C (HCV) é uma das causas mais frequentes de doença crônica do fígado. O HCV é responsável por 70% das hepatites crônicas, 40%
dos casos de cirrose e 60% dos hepatocarcinomas. Além disso, a hepatite C é a primeira causa de transplante hepático no mundo. A progressão da infecção pelo HCV até a fase de cirrose hepática ocorre usualmente de maneira assintomática em média entre 20 e 30 anos de evolução da doença. Sem tratamento, aproximadamente 20% dos doentes com hepatite crônica C desenvolvem cirrose e destes, 20 a 30% progridem para o carcinoma hepatocelular ou para a insuficiência hepática com indicação de transplante. No Brasil, aproximadamente 70.000 casos de hepatite crônica C foram confirmados entre os anos de 1999 e 2010. A taxa média de detecção foi de 4,5 casos por 100 mil habitantes no ano de 2010, sendo as maiores taxas identificadas nas regiões Sul (7,2) e Sudeste (6,8). A maioria dos casos ocorreu nas faixas etárias superiores a 35 anos de idade (80.7%). De acordo com o último inquérito nacional, a prevalência de exposição ao HCV em populações de 10 a 69 anos variou de 0,7 a 2,1% no nosso país. Na última década, a hepatite C foi a principal causa de morte no Brasil entre as hepatites virais. Entre os anos de 2000 e 2010, aproximadamente 14.900 mortes foram atribuídas à infecção pelo HCV5. Esse número quase se duplica quando se considera o HCV também como condição que contribuiu para a morte, perfazendo um total de
27.231 mortes no mesmo período de dez anos. GENÓTIPOS DO VÍRUS DA HEPATITE C E RESPOSTA TERAPÊUTICA:
O HCV é classificado em seis genótipos principais (designados 1 a 6) e diversos subtipos com base na heterogeneidade da seqüência genômica. Os genótipos 1, 2 e 3 têm uma distribuição mundial; entre eles, os subtipos 1a e 1b são os mais comuns, representando 60% das infecções no mundo. No Brasil, Campioto e col estudaram a distribuição dos genótipos em diferentes cidades e mostraram que aproximadamente 65% dos portadores crônicos do HCV eram do genótipo 1; 30% do genótipo 3; e menos de 5% apresentavam os genótipos 2, 4 e 5. O genótipo do HCV constitui um dos mais importantes preditores de resposta ao tratamento antiviral e de duração da terapia. De maneira geral, 40 a 50% dos pacientes com genótipo 1 apresentam uma resposta virológica sustentada ao tratamento com interferon peguilado alfa combinado com ribavirina. Por outro lado, os pacientes com genótipos 2 e 3 respondem numa porcentagem de aproximadamente 80%, frente a este esquema de tratamento. TRATAMENTO DOS INDIVÍDUOS INFECTADOS COM O GENÓTIPO 1 DA HEPATITE CRÔNICA C:
O objetivo primário do tratamento é prevenir as complicações da infecção pelo HCV, o que é principalmente obtido pela erradicação do vírus no sangue. Assim, a resposta ao tratamento é freqüentemente caracterizada por resultados de testes de detecção do RNA do HCV (HCV-RNA) no soro. O principal marcador de evolução de doença na hepatite C crônica é
representado pelo estadiamento de fibrose hepática, dado pela biópsia. O escore de fibrose METAVIR é considerado o mais amplamente validado para este fim, na literatura. Pacientes com METAVIR F0 = tem fígado normal, F1 = alargamento por fibrose restrito ao espaço porta (fibrose discreta), F2 = fibrose em espaço porta e com septos incompletos no parênquima hepático (fibrose clinicamente significante), F3 =
fibrose com septos completos e esboço de nódulos (fibrose avançada) e F4 = formação de nódulos completos, com distorção significativa da morfologia do parênquima hepático, caracterizando cirrose. Esta forma de estadiamento é fundamental para se estimar o prognóstico da doença para complicações clínicas e óbito, além de ser o principal critério para a indicação de tratamento farmacológico. Em razão da lenta progressão da doença, o sucesso do tratamento é normalmente indicado por desfecho substituto denominado resposta virológica sustentada (RVS), definida por níveis não detectáveis de HCV-RNA 6 meses após o
término do tratamento. A RVS é validada como marcador da resolução definitiva da infecção, uma vez
que inúmeros estudos confirmam a forte correlação entre esse marcador e a intensa redução de desfechos clínicos a longo prazo. Dessa forma, quando a ocorrência de desfechos clínicos são monitorados ao longo de anos após o tratamento, observa-se que pessoas que atingiram RVS apresentam uma redução importante na mortalidade, progressão de doença e desenvolvimento de carcinoma hepatocelular, equiparando-se a população não infectada pelo HCV do mesmo sexo e faixa etária. O esquema atualmente recomendado no Brasil para tratamento e retratamento de pacientes infectados cronicamente pelo genótipo 1 do HCV é a
associação de interferon peguilado e ribavirina (PR), por 48 a 72 semanas. INIBIDORES DE PROTEASE PARA TRATAMENTO DE HEPATITE CRÔNICA C:
Nos últimos anos, ensaios clínicos utilizando agentes antivirais de ação direta contra o HCV, têm mostrado que os inibidores de protease (IP) são uma estratégia
eficaz para o tratamento do genótipo 1. Boceprevir (BOC) e Telaprevir (TVR) são os primeiros IP para tratamento do HCV e foram recentemente registrados na ANVISA, permitindo sua introdução no arsenal terapêutico nacional. Essas duas medicações apresentam moléculas diferentes e atuam inibindo a enzima protease serina NS3 do HCV, agindo diretamente sobre o vírus da Hepatite C através do bloqueio da sua replicação. Ambos são utilizados em associação com PR, constituindo assim uma terapia tripla. CARACTERÍSTICAS DO BOCEPREVIR:
A eficácia de BOC no tratamento da hepatite crônica C (genótipo 1) foi avaliada em aproximadamente 1.700 indivíduos adultos não tratados previamente (SPRINT-2) ou que apresentaram falha ao tratamento anterior com PR (RESPOND-2. Em todos os ensaios clínicos de fase III publicados e apresentados até a presente data, a adição de BOC ao esquema contendo PR aumentou significativamente as taxas de RVS quando comparada ao tratamento padrão. CARACTERÍSTICAS DO TELAPREVIR:
A eficácia do TVR no tratamento da hepatite crônica C (genótipo 1) foi avaliada
em aproximadamente 2.290 indivíduos adultos não tratados previamente ou que apresentaram falha ao tratamento anterior com PR. Em todos esses estudos de fase III, a adição de TVR ao esquema contendo
PR aumentou significativamente as taxas de RVS quando comparadas as obtidas com o tratamento padrão.
POLÍTICA DE INCORPORAÇÃO:
A incorporação dos inibidores da protease para tratamento da hepatite C
crônica, portadores do HCV genótipo 1, no Sistema Único de Saúde não ocorrerá apenas com sua inclusão nas diretrizes terapêuticas do Ministério da Saúde. Além das recomendações baseadas no uso racional de medicamentos, outras estratégias compõem a política de introdução dos novos medicamentos. Entre elas,
devem ser destacadas: a) autorização centralizada que permite controlar as prescrições nos Comitês Estaduais; b) estabelecimento de fluxos para disponibilização dos medicamentos e c) definição do perfil dos serviços públicos que possuem experiência no tratamento da hepatite C, garantindo abordagem técnica
adequada, também fazem parte desta política. Desde 2006, o DDSTAIDSHV vem estabelecendo a política para uso de antirretrovirais de terceira linha recentemente incorporados no país, que inclui a autorização para seu uso por câmaras técnicas estaduais para análise das indicações de antirretrovirais. A recente integração da resposta programática em AIDS e Hepatites e a rede de serviços ainda restrita para tratamento das Hepatites Virais levaram à inclusão dos serviços de AIDS no atendimento a portadores de hepatites. DIRETRIZES DE USO:
Tratando-se de uma intervenção de recente desenvolvimento, com pouco tempo de experiência, necessidade de restrição de serviços para garantia de seu adequado manejo, elevado custo e estimativa de razão de custo-efetividade favorável para pacientes com fibrose mais avançada, a estratégia de incorporação dos IP deve estabelecer como prioridade pacientes com maior risco de progressão de doença e
morte, definido pelo grau de fibrose F3 ou F4 ou evidências endoscópicas ou ecográficas de cirrose hepática. Pacientes com classificação de fibrose ≤ F2 que possuam indicação de tratamento devem receber o tratamento convencional, de acordo com o PCDT para hepatite C e coinfecções, atualizado em Julho de 2011.
Portanto, a indicação de inibidores da protease proposta no Brasil inclui os pacientes com grau de fibrose 3 e 4, considerando dois grupos de pacientes: a) pacientes sem tratamento prévio (virgens de tratamento); b) retratamento daqueles que não responderam previamente ao tratamento convencional (PR) – recidivantes,
não respondedores parciais e nulos de resposta. DECISÃO:
PORTARIA SCTIE-MS N.º 20, de 25 de julho de 2012 - Torna pública a decisão de incorporar os inibidores de protease telaprevir e boceprevir para tratamento da hepatite crônica C no Sistema Único de Saúde (SUS).