Publication year: 2016
INTRODUÇÃO:
As diretrizes clínicas, em sentido amplo, são documentos informativos que incluem recomendações dirigidas a otimizar o cuidado prestado ao paciente. As diretrizes clínicas baseadas em evidências são construídas com base em uma revisão sistemática das evidências científicas e na avaliação dos benefícios e danos de diferentes opções na atenção à saúde (QASEEM et al., 2012). Devido ao grande volume de informações e variabilidade na qualidade das informações científicas geradas na área da saúde, há necessidade de elaboração de sínteses que facilitem o acesso a essas informações e possibilitem recomendações baseadas nos resultados oriundos de múltiplas fontes, fornecendo subsídio científico para a tomada de decisão, tanto para o profissional de saúde quanto para o gestor. Nas últimas duas décadas tem ocorrido uma migração progressiva do modelo tradicional de publicação de rotinas e protocolos de serviços de saúde de referência e de consenso de especialistas para o modelo de diretrizes baseadas em evidências. As diretrizes clínicas baseadas em evidências devem indicar as intervenções que ofereçam maior benefício e menor probabilidade de danos à saúde, podendo gerar, também, maior eficiência na alocação de recursos. A abordagem sistemática e transparente para fazer julgamentos sobre qualidade das evidências e força de recomendações ajuda a evitar erros, facilita a avaliação crítica dessas diretrizes e melhora a comunicação dessas informações para profissionais de saúde, população e gestores. OBJETIVO:
Esta diretriz metodológica tem por objetivo principal oferecer um padrão de métodos para elaboração, adaptação e avaliação da qualidade de diretrizes clínicas e servir como instrumento de apoio para a elaboração e implementação de Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas, sejam de abrangência nacional - do Ministério da Saúde - ou desenvolvidas por qualquer instância ou serviço de saúde. O público-alvo são profissionais de saúde, gestores de saúde e demais envolvidos direta ou indiretamente na elaboração ou implementação de diretrizes clínicas. PROCESSO DE ELABORAÇÃO DAS DIRETRIZES:
A elaboração de diretrizes clínicas envolve diversas etapas, tais como: 1.Definição do tema; 2. Delimitação do escopo; 3. Definição das perguntas PICOS; 4. Construção de estratégia de busca; 5. Seleção dos artigos identificados; 6. Avaliação da qualidade dos estudos selecionados; 7. Avaliação da qualidade do corpo de evidências para cada pergunta PICOS; 8. Elaboração e graduação de recomendações pelo Sistema GRADE; 9. Redação do texto das diretrizes; 10. Submissão à revisão externa ou consulta pública, quando aplicável; 11. Redação e publicação da versão final das diretrizes após revisão; 12. Difusão, disseminação e implementação das diretrizes; 13. Monitoramento e avaliação da implementação; 14. Atualização periódica da diretriz. Definição do Tema da Diretriz:
Considerando a complexidade, o custo e o tempo envolvido na construção de uma diretriz clínica, devem ser utilizadas estratégias para priorizar a escolha dos temas a serem abordados.
Para fazer melhor uso dos recursos, sugere-se priorizar as situações em que: -Há necessidade de atualizar diretriz em que tecnologias novas já foram ou devem ser incorporadas para o melhor cuidado ao paciente; -É necessário elaborar diretrizes novas que atendam uma necessidade de saúde em que mudanças são possíveis e desejáveis e que, com a instituição de um protocolo clínico, há expectativa de potencial melhora na qualidade do atendimento ao paciente; -Existe evidência de boa qualidade que embase as práticas e tratamentos a serem recomendados pela diretriz; -Existe grande incerteza clínica demonstrada pela variabilidade expressiva na conduta dos profissionais de saúde;
-Existam temas específicos dentro de áreas consideradas prioritárias e estratégicas para
o serviço de saúde, para o sistema de saúde ou para uma instituição de saúde. Delimitação do Escopo das Diretrizes:
Com a definição do tema para a construção de uma diretriz, o próximo passo deve ser a delimitação clara do escopo (QASSEM et al., 2012). Escopo é aquilo que se deseja atingir e é o ponto mais crítico da elaboração de diretrizes. É a etapa em que se delimita o tamanho do projeto a ser realizado, bem como o tempo para sua execução, além de ser um dos critérios de avaliação da qualidade de uma diretriz. O escopo é a base para a estruturação das perguntas clínicas, incluindo: a) a quem se destina a diretriz; b) as características da doença abordada; c) a população-alvo da diretriz; d) as intervenções em saúde; e) os tipos de estudos que devem ser utilizados; f) os benefícios e danos das várias opções de tratamento, diagnóstico ou prevenção. Sempre que possível, a delimitação do escopo deve incluir os grupos de interesse envolvidos com o tema, como associações de pacientes e especialistas na área. Definição das Perguntas de Pesquisa:
As perguntas de pesquisa (ou questões-chave) deverão estar dentro do escopo definido pelo Comitê Gestor das Diretrizes. Elas deverão abranger todo o escopo das diretrizes e não deverão introduzir novos temas que estejam fora do escopo pré-definido. Construção das Estratégias de Busca:
Para a identificação e seleção de evidências relevantes sobre a efetividade, danos e benefícios de intervenções em saúde, são necessárias estratégias que equilibrem sensibilidade e especificidade na busca, para a recuperação das evidências disponíveis de forma consistente. Estratégias pouco específicas resultam em um número excessivo de resumos não relacionados ao tema e estratégias pouco sensíveis podem resultar na perda de referências importantes. Nessa etapa, especialistas em informação podem contribuir na construção e implantação de métodos que possam melhorar a qualidade de resposta na recuperação de informações relevantes, propiciando maior tempo para etapas de avaliação e construção das recomendações. Assim, o trabalho de recuperação de evidências a partir de estratégias de busca efetivas e transparentes na elaboração de diretrizes clínicas é fundamental para a consistência dos resultado. Seleção dos Artigos Identificados:
Os critérios de inclusão e exclusão para avaliação das evidências devem ser previamente definidos pelo Grupo Elaborador e Comitê Gestor, e relacionados às questões clínicas a serem estudadas.
Estes critérios não devem ser muito restritivos, para evitar o risco de comprometer a generalização das diretrizes e até mesmo a localização de evidências. Por outro lado, não podem ser muito amplos, pois poderia comprometer o foco definido nas questões-chave (perguntas), dificultando a comparação e síntese das evidências. Além dos critérios de
elegibilidade da pergunta PICO, o desenho de estudo também deve ser utilizado como critério de seleção. Avaliação da Qualidade dos Estudos Selecionados:
Os artigos que restarem ao final da etapa de seleção terão sua qualidade avaliada. Entretanto, a unidade de análise não é o artigo, mas sim o estudo, que pode ser representado por vários artigos publicados. A avaliação da qualidade dos estudos pode ser feita individualmente, por meio de ferramentas especialmente desenvolvidas para cada desenho de estudo. Avaliação da Qualidade do Corpo de Evidências para cada Pergunta Pico:
Atualmente, considera-se
que os instrumentos para avaliação de níveis de evidência focados apenas no desenho de estudo são insuficientes para expressar as fortalezas e limitações das evidências. Essas classificações não explicitam, por exemplo, que ensaios clínicos baseados em desfechos substitutos, mesmo quando bem delineados, devem receber um nível de evidência consideravelmente mais baixo do que estudos bem conduzidos e embasados em desfechos clínicos relevantes. Elaboração e Graduação das Recomendações:
Após a avaliação da qualidade do corpo de evidências para cada desfecho, deve-se considerar a direção e a força da recomendação, também segundo o método GRADE. O equilíbrio
entre os resultados desejáveis e indesejáveis (possíveis danos e benefícios) e a aplicação de valores e preferências do paciente determinam a direção da recomendação (contra ou a favor). Tais fatores, juntamente com a qualidade das evidências, determinam
a força da recomendação (forte ou fraca). Redação do Texto das Diretrizes:
O texto das diretrizes deve ser, no mínimo, dividido nos seguintes tópicos: introdução, resultados, recomendações, discussão e referências. A estratégia de busca, o processo de seleção de estudos, a avaliação da qualidade dos estudos e a síntese das evidências também devem ser apresentados no texto completo das diretrizes, podendo ser incluídas na forma de apêndices. A introdução deve ser construída na forma de revisão narrativa, apresentando
a questão clínica que foi abordada na diretriz. Os resultados devem apresentar uma síntese dos principais achados da revisão realizada pelo Grupo Elaborador. As recomendações são o centro de todo o texto das diretrizes e devem vir em destaque, de forma a serem identificadas claramente pelos leitores, acompanhadas sempre do respectivo nível de evidência e grau de recomendação. Submissão à Revisão Externa ou Consulta Pública:
A submissão do texto preliminar de uma diretriz para revisão externa ou consulta pública é uma importante etapa do processo de desenvolvimento de diretrizes para a garantia da qualidade e credibilidade do texto final. Este processo pode incluir profissionais de saúde com interesse no tema, gestores, assim como pacientes e cuidadores. Nesta etapa será possível incluir adequações ao texto, desde que pertinentes ao objetivo e escopo da diretriz e à luz da melhor evidência científica disponível. O texto revisado será avaliado pelo Comitê Gestor da diretriz, e, caso seja necessário, serão feitas adequações após discussão conjunta com o Grupo Elaborador. Para as diretrizes clínicas do Ministério da Saúde, o texto é submetido à Consulta Pública, para a efetiva contribuição da sociedade antes de sua publicação. Redação da Versão Final e Publicação das Diretrizes:
Depois de finalizadas as etapas de revisão externa e/ou Consulta Pública, o texto final é concluído pelo Grupo Elaborador e disponibilizado à instituição demandante que promoverá a sua publicação. Se houver outras versões do documento (como sumário executivo, versão para a sociedade e versão resumida para profissionais de saúde) é desejável que sejam publicadas simultaneamente ao texto completo, bem como que haja extensiva divulgação da(s) publicação(ões) às partes interessadas, como forma de garantir a sua implementação. Atualização Periódica da Diretriz:
Para a garantia de atualização periódica das diretrizes, essas deverão ser revisadas, de preferência pelos autores da primeira versão. Para as diretrizes nacionais, no âmbito do SUS, essa atualização deve ser feita a cada dois anos ou sempre que novas incorporações de tecnologias e mudanças substanciais na prática relacionadas à diretriz se façam necessárias. Para outras
diretrizes, deve-se explicitar o prazo, previamente estipulado pelo Comitê Gestor, na publicação. DIFUSÃO, DISSEMINAÇÃO E IMPLEMENTAÇÃO DAS DIRETRIZES: Estratégias de Implementação: Para que as recomendações de uma diretriz clínica possam ser incorporadas na prática, devem-se desenvolver estratégias para que os profissionais de saúde e pacientes possam acessar facilmente o texto das diretrizes, compreender o que está dito e adotar suas recomendações. Inúmeras estratégias têm sido desenvolvidas com o intuito de facilitar a implementação de uma diretriz. Esse processo é complexo, pois envolve a compreensão das diferentes necessidades dos envolvidos (profissionais de saúde, pacientes, serviços de saúde, etc), recursos disponíveis, implicações em mudanças pessoais, organizacionais ou culturais. Desta forma, este documento, no momento, se propõe apenas a introduzir, brevemente, as fases de implementação e monitoramento de diretrizes clínicas, apresentando algumas das principais estratégias preconizadas. Monitoramento da Implementação:
Após a publicação e a utilização de estratégias de implementação para uma diretriz clínica, é importante monitorar a adesão às novas recomendações introduzidas na diretriz e avaliar os desfechos e resultados das mudanças na prática. Este monitoramento permitirá possíveis adequações da diretriz, quando da sua atualização, caso algum de seus pontos sejam um entrave a sua efetiva implementação ou que seus resultados não tenham sido o esperado.
O monitoramento das mudanças de práticas após a implementação de uma diretriz pode ser feito por meio de diversos instrumentos:
questionários de conhecimento antes e depois de treinamentos sobre a diretriz, auditorias, questionários de avaliação para o paciente, levantamento de dados em prontuários ou sistemas eletrônicos, indicadores baseados em dados secundários dos sistemas de informação nacionais, entre outros. AVALIAÇÃO
DA QUALIDADE DE DIRETRIZES:
A qualidade de uma diretriz clínica está diretamente relacionada à confiança de que os viéses potenciais do desenvolvimento foram adequadamente abordados, que as orientações sejam exequíveis, que apresente bons níveis de validade interna e externa, além de levar em consideração os benefícios, riscos e custos das recomendações. CONSIDERAÇÕES FINAIS:
As diretrizes clínicas têm como objetivo principal orientar os profissionais de saúde, gestores e usuários sobre a melhor prática em saúde à luz do conhecimento científico mais atual e confiável. O presente manual apresenta ferramentas para auxiliar a elaboração, avaliação e adaptação de diretrizes clínicas, de forma a qualificar a atenção à saúde oferecida especialmente no âmbito do SUS. Entretanto, tendo em vista que não é possível, com este documento, esgotar os temas abordados, sugere -se a utilização das referências bibliográficas e notas apresentadas ao longo do texto como fontes de informação complementares.