Sentidos e desafios do autismo para o território: um estudo etnográfico

Publication year: 2017
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social to obtain the academic title of Doutor. Leader: Bezerra Junior, Benilton Carlos

Nos últimos anos, a construção de políticas públicas voltadas para pessoas com autismo se tornou objeto de importantes debates no Brasil. Perspectivas distintas sobre tipos de intervenções e de serviços disponibilizados pelo Estado dão contorno ao processo em curso de reformulação dessas políticas. Dentre os participantes nesses debates estão grupos de defesa de direitos de pessoas com autismo (em sua maioria, associações de familiares de autistas) críticos do modelo de cuidado oferecido para o autismo na Rede de Atenção Psicossocial no Sistema Único de Saúde (RAPS/SUS). Estes grupos têm mobilizado ações em prol da adoção de intervenções e serviços especializados/exclusivos para autistas no âmbito do SUS. Suas demandas, a princípio, contrastam com a matriz epistêmico-institucional da RAPS/SUS, organizada a partir do processo de reforma psiquiátrica, o qual substituiu práticas de institucionalização por serviços comunitários/territoriais não organizados em torno de diagnósticos específicos. Esses debates se acirraram após a promulgação, em 2012, da Lei federal 12.764. Fruto do ativismo de grupos de familiares de autistas, esta legislação estabelece a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, e reconhece esses indivíduos como “pessoa[s] com deficiência, para todos os fins legais”. Tal concepção do autismo como deficiência tornou-se central na dissidência entre estes grupos e partidários da RAPS/SUS. Ela tensiona a jurisdição sobre o provimento de cuidados para o autismo, deslocando-a do escopo das políticas de atenção psicossocial para o campo da deficiência e reabilitação. Se, por um lado, as divergências entre os lados em debate parecem ser de ordem técnica e/ou epistemológica, por outro, elas se relacionam a uma disputa política em torno de protagonismo e legitimidade na proposição de políticas públicas. As posições antagônicas entre cada lado levaram a uma polarização do debate em nível nacional. No entanto, em contextos locais de cuidado, a configuração dos debates em torno do autismo apresenta arranjos que desafiam e complexificam tal polarização. Este trabalho aborda tais complexidades a partir de uma pesquisa etnográfica, que consistiu em observação-participante em dois serviços num mesmo território (um pertencente à RAPS, e o outro ao campo da deficiência e educação especial inclusiva), etnografia de eventos, e entrevistas com profissionais e familiares de autistas. A escolha pela etnografia foi estratégica, por permitir o exame de particularidades de contextos locais em suas articulações com discursos e práticas que circulam em níveis mais macro, podendo, assim, evidenciar aspectos desse debate que não estão imediatamente visíveis. O objetivo da pesquisa foi investigar como práticas de cuidado voltadas para o autismo são operacionalizadas num determinado território, considerando suas especificidades locais face às diretrizes para o cuidado previstas em políticas públicas nacionais

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