"Não chore, pesquise!": Reflexões sobre sexo, gênero e ciência a partir do neurofeminismo
"Don't cry, research!": Reflections on sex, gender and science from neurofeminism
Publication year: 2015
Theses and dissertations in Portugués presented to the Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Instituto de Medicina Social to obtain the academic title of Doutor. Leader: Russo, Jane Araújo
Neste trabalho refletimos acerca das relações entre sexo, gênero, ciência e feminismo, a partir da análise da produção contemporânea de um grupo de pesquisadoras que se denominam como neurofeministas e que, desde 2010, se articulam em uma rede internacional chamada NeuroGenderings. O objetivo da NeuroGenderings é trazer uma perspectiva feminista crítica aos estudos recentes sobre o cérebro, sobretudo aqueles que buscam por diferenças entre homens e mulheres. As neurofeministas estão engajadas em produzir uma neurociência situada, assumidamente feminista, que não deixe de lado a materialidade dos corpos – e especialmente do cérebro –, ao mesmo tempo em que se preocupam politicamente com as hierarquias de gênero. Procuram, portanto, produzir uma neurociência empírica, capaz de produzir o que chamam de “zonas de proximidade entre moléculas e paisagens políticas”. Além disso, pretendem combater o “neurossexismo”, isto é, estereótipos em relação à masculinidade e feminilidade que estariam presentes em grande parte da produção neurocientífica, bem como em sua divulgação para o público mais amplo. Assim, mapeamos a rede NeuroGenderings a partir de duas estratégias metodológicas: a leitura e análise da produção bibliográfica das neurofeministas (tanto as publicações oficiais da rede, como publicações individuais das pesquisadoras) e a observação da reunião e conferência mais recente da NeuroGenderings, que ocorreu na cidade de Lausanne, na Suíça, em 2014. O neurofeminismo nos oferece relevante material analítico para refletirmos acerca dos ideais de cientificidade em disputa na ideia de uma neurociência feminista, levando em conta a crença de que ciência e política pertenceriam a esferas separadas e imiscíveis, e que neutralidade seria característica obrigatória à boa prática científica. Além disso, notamos aproximações entre o trabalho das neurofeministas e os trabalhos de um importante grupo de estudiosas do campo da ciência e gênero, chamadas de “feministas biólogas”. As feministas biólogas inspiram a produção neurocientífica, principalmente no que diz respeito à perspectiva antidualista, que rejeita a oposição entre sexo e gênero, natureza e cultura, encarando-os como entrelaçados e inseparáveis. Entretanto, embora o entrelaçamento entre sexo e gênero seja consenso entre as neurofeministas, não há acordos sobre a forma como esse entrelaçamento deve ser pensado em termos neurocientíficos. Assim, a discussão em torno do conceito de plasticidade cerebral evidencia alguns desses dissensos, bem como tensões entre ciências humanas e neurociência dentro da NeuroGenderings, rede marcada pela interdisciplinaridade. Essas tensões, porém, não inviabilizam o projeto neurofeminista de pensar o cérebro como um objeto compartilhado de conhecimento
In this work, we reflected on the relationship between sex, gender, science and feminism, through the analysis of the contemporary production of a group of researchers who call themselves neurofeminists, organized since 2010 in an international network called NeuroGenderings. The goal of NeuroGenderings is to build a critical feminist perspective to recent studies on the brain, especially those studies seeking for differences between men and women. The neurofeminists are engaged in producing a situated neuroscience, openly feminist, that does not leave aside the materiality of bodies – and especially that of the brain –, at the same time they are politically concerned with gender hierarchies. They seek, therefore, to produce an empirical neuroscience capable of producing what they dub “proximity zones between molecules and political landscapes.” They also plan to combat “neurossexism”, that is, masculinity and femininity stereotypes that are present in much of neuroscience scientific production, as well as in its dissemination to the wider public.