Saúde e Doença em Moçambique
Saúde e Doença em Moçambique; 18 (), 2009
Ano de publicação: 2009
Baseando-se num longo período de observação directa e entrevistas, este artigo aponta como principal obstáculo às pouco frutuosas tentativas de diálogo entre biomedicina e “medicina tradicional”, em Moçambique, o desconhecimento e/ou desvalorização das noções
locais acerca da doença, vertentes sociais da sua etiologia e suas implicações para a noção e processo de cura. Assim, a par da caracterização dos tinyanga (terapeutas putativamente possuídos por espíritos) e das terapias que utilizam, o artigo expõe o sistema localmente dominante de interpretação dos infortúnios, em que as causas materiais (como aconteceu) se combinam com factores sociais ou espirituais (porque aconteceu àquela pessoa). Daí decorre que o processo de cura não se esgota no debelar da enfermidade, implicando também a resolução do problema social do qual ela é uma manifestação – o que constitui uma das especialidades destes terapeutas. Por isso, nem o recurso a tinyanga resulta sobretudo de falta de alternativas de cuidados de saúde, nem é concebível, para estes
terapeutas, que o seu entrosamento com o sistema de saúde oficial pudesse restringi-los à sua faceta de herbalistas. Contudo, o debate e negociação do seu espaço, papel e estatuto dentro de futuros quadros gerais de prestação de cuidados de saúde não deverão ser feitos
através de “tradutores culturais” bem intencionados, que lhes pretendam “dar voz”. Os próprios tinyanga dispõem das capacidades e competência para o fazer, assim tenham interlocutores.
Based on a long process of direct observation and
interviews, this article states that the main barrier
to the unfruitful attempts of dialog between biomedicine and “traditional healers”, in Mozambique, is the
ignorance and/or undervaluation of the local notions
about illness, the social aspects of its aetiology, and
their implications for the notion and process of cure.
Therefore, together with the characterization of the
tinyanga (healers putatively possessed by spirits) and
their therapies, the article presents the locally dominant system of misfortune interpretation, in which
the material causes (how it happened) are combined
with social and spiritual factors (why it happened to
that person). As a consequence, the cure is not only
the healing of the illness; it includes and demands as
well the resolution of the social problem that caused
it – and this second aspect of the cure is one of the
tinyanga’s expertises. For that reason, consulting such
healers seldom results from the absence of health care
alternatives, and they cannot accept the idea of being
limited to their herbalist expertise, in order to be integrated into the official health care system. However,
the debate and negotiation about their space, role and
status in future general health care systems should not
be made through sympathetic “cultural translators”.
The tinyanga have the abilities to do it with their own
voice, as far as they have available interlocutor